Folha de S. Paulo


Barreiras para deficiente em SP vão de elevador parado a banheiro fechado

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Elevadores inoperantes, banheiro acessível trancado, orientação tátil para cegos incompleta, desconhecimento para dar informação a uma pessoa surda e muitas, muitas calçadas sem condições de dar mobilidade e segurança para quem se desloca em cadeira de rodas na maior cidade do país, São Paulo.

Em clima de Jogos Paraolímpicos no Rio, que coloca temas como inclusão e acessibilidade em evidência, a Folha convidou três pessoas com deficiências distintas (visual, motora e auditiva) para um passeio de norte a sul da capital para analisar as condições e atitudes diante de diversidades físicas e sensoriais.

O grupo se encontrou no terminal rodoviário do Tietê. Trata-se do maior da América Latina e por onde circulam 90 mil pessoas todos os dias.

Usuária de cadeira de rodas motorizada, a promotora de eventos Lucianna Trindade, 37, chegou de táxi acessível, cuja frota triplicou nos últimos cinco anos, chegando a cerca de 120 veículos.

Leonardo Castilho, 28, que é surdo e trabalha com acessibilidade no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), e a ouvidora Jucilene Braga, 35, que é cega, usaram transporte público para chegar.

O primeiro entrave: três dos quatro elevadores que dão acesso do embarque para a parte superior do terminal estavam inoperantes. No que funcionava, além de os usuários terem que dividir espaço com cargas, não havia sinalização em braile nos botões ou mesmo informação auditiva para auxiliar cegos.

Lucianna foi ao banheiro acessível do terminal. "Quando cheguei, a porta estava trancada. Depois de um pouco de espera, uma funcionária da faxina explicou que a medida é para evitar mal uso. Se eu estivesse apertada, estava perdida", conta.

No banheiro não havia, como é recomendado para locais de grande circulação, um botão de pânico, para ser acionado quando a pessoa com deficiência tem algum problema -como um desequilíbrio.

Simulando ser um turista vindo do interior rumo ao Rio, Castilho (que faz linguagem labial, mas também se comunica por meio de libras) foi ao balcão de informações tentar saber como ir ao aeroporto de Congonhas, na zona sul.

"A atendente ficou sem jeito quando comecei a usar os sinais. Perguntei se poderia chamar um funcionário que falasse libras, mas ela disse que não havia nenhum. Por fim, ela me deu um papel e escrevi Congonhas. Ela apenas tirou um papel da gaveta com uma indicação de ônibus."

Jucilene teve a missão de comprar uma lembrança para um sobrinho em uma loja do terminal. A ouvidora diz que, ao pedir ajuda para a escolha do presente, a "atendente ficou claramente nervosa".
"Em vez de me entregar objetos ou descrever o que havia, já foi dizendo que ali não tinha nada para mim. Pedi para ela me auxiliar a ir em outra loja. Ela ficou sem ação. Por fim, chamou um funcionário da rodoviária."

METRÔ

O grupo seguiu junto para a estação Tietê, do Metrô, com bom acesso e sinalização. Dois funcionários se colocaram à disposição. Para entrar no trem, houve dificuldade no manuseio da cadeira de Lucianna, que levou um baque na porta do vagão - mas foi apenas um susto.

Na estação São Judas, um funcionário (previamente avisado de onde eles desceriam) aguardava. "Hoje funcionou bem, mas várias vezes eles se esquecem de avisar na estação de chegada que há uma pessoa que precisa de auxílio", diz Jucilene.

Novamente dois funcionários foram destacados para dar auxílio. "Vocês andam assim tudo junto, mesmo?", disse um deles. O mesmo que quase impediu a equipe de fazer um novo teste: a travessia de uma rua movimentada.

"De jeito nenhum que eu vou deixar vocês sozinhos atravessarem aqui [avenida Jabaquara]." Ele só deixou o grupo após intervenção do repórter, também cadeirante.

Trajeto

RUAS

Segundo Lucianna, a falta de padrão e buracos nas calçadas, além da ausência de rampas ou rampas inseguras impedem um cadeirante de andar tranquilo pelas ruas.

Na travessia até o ponto de ônibus -o objetivo final era chegar a Congonhas-, o semáforo, sem sinalização sonora para cegos, ficava vermelho antes de os mais vagarosos chegarem na calçada.

Depois de 40 minutos de espera no ponto, sem que nenhum ônibus acessível passasse, o cansaço abateu a todos e o teste ficou sem sua parte final. O problema maior é que a vida real não tem simulações -só situações concretas de falta de acesso.

"Não quero que todo mundo saiba se comunicar em libras, mas uma atenção mais detalhada já ajuda. Tentar compreender o outro é o que mais falta", disse Castilho.

OUTRO LADO

A Socicam, responsável pelo terminal Tietê, diz que, "atenta às questões sustentáveis", desliga elevadores em horários de menor fluxo para economizar energia elétrica e que não é possível classificar as bagagens dos passageiros como cargas.

A empresa diz que a sinalização em braile e a informação auditiva estão nos elevadores, mas que pode haver vandalismo.

Ela afirma que banheiros para deficientes são fechados para evitar seu uso por outras pessoas. Diz ainda que funcionários recebem treinamento de libras.

A gestão Haddad diz que a oferta de ônibus acessíveis subiu de 59% para 87% da frota, que foi construído um milhão de metros quadrados de novas calçadas e que estuda um modelo de semáforo. O Metrô diz que "todas as estações são acessíveis e os funcionários operacionais capacitados".

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