Folha de S. Paulo


Análise

'Sopa de letrinhas' da rede de saúde de SP carece de integração

Um sistema desorganizado, fragmentado e marcado pela descontinuidade na assistência define a rede municipal de saúde na cidade de São Paulo, que atende 4,5 milhões de habitantes, dependentes exclusivamente do SUS -a população restante possui planos de saúde.

Oito em cada dez paulistanos avaliam que a gestão Fernando Haddad (PT) fez menos do que se esperava pela saúde municipal. Com os antecessores não foi diferente. Há anos que a saúde lidera os rankings de insatisfação dos paulistanos e dos brasileiros de uma maneira geral.

Recente relatório do Cbexs (Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde) sobre a situação da saúde nas grandes cidades mostra que falta integração e coordenação entre as unidades de atenção básica e especializada.
Elas são pouco conhecidas pela população. Não há clareza sobre o papel de cada uma delas e sobre quando e como podem ser acionadas.

MARCAS

Em São Paulo, a saúde é caracterizada por uma longa história de grifes. A cada nova gestão, surge uma nova marca na assistência: PAS, AMA, UBS integral...

A "sopa de letrinhas" aumenta, e a insatisfação dos usuários, também.

Uma das soluções propostas pelos executivos é a integração dos serviços de saúde em redes assistenciais locais. Elas seriam responsáveis por toda a cadeia de cuidados -da atenção primária à terciária-, teriam orçamento próprio, autonomia administrativa e metas da saúde da população para cumprir.

A população ficaria vinculada a sua rede regional, recebendo cuidados exclusivamente dela -salvo em casos de urgência/emergência ou de indisponibilidade de determinado serviço.

Priorizar e expandir a atenção primária (rede básica, UBS, saúde da família) é fundamental. O programa Estratégia Saúde da Família (com atendimento em postos de saúde e em domicílio) está estagnado na capital paulista. Atende a menos da metade da população, quando o ideal seria uma cobertura de 80% dos usuários do SUS.

Nos países com sistemas únicos de saúde, como Canadá e Inglaterra, 90% da população está inscrita em equipes de atenção primária, que fazem da prevenção ao atendimento clínico e podem resolver 80% dos problemas.

Karime Xavier/Folhapress
Unidade municipal da AMA (Assistência Médica Ambulatorial), em Parelheiros, na zona sul de SP
Unidade municipal da AMA (Assistência Médica Ambulatorial), em Parelheiros, na zona sul de SP

A porta de entrada do sistema de saúde deveria ser sempre uma unidade básica de saúde (UBS). Se a pessoa precisar de um especialista ou um hospital, por exemplo, deve ser encaminhada, mas depois deve retornar à UBS.

Hoje isso não acontece. O sistema é confuso para o cidadão. Há diferentes modelos de atenção básica com a mesma finalidade (como UBS tradicional, UBS saúde da família e UBS integral).

Além disso, a população desconfia da rede primária, considerando-a pouco resolutiva, e continua procurando os prontos-socorros.

NÃO SE ENTENDEM

Mario Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da USP (Universidade de São Paulo), lembra também que há pouca lógica nos volumes de recursos investidos em determinados equipamentos. Uns ganham muito mais que outros embora sejam similares.

A rede tem muitos gestores que não se entendem. Alguns serviços são comandados pelo município, outros pelo Estado e outros pelas OSs (Organizações Sociais), o que gera fragmentação e descontinuidade do cuidado.

Entre o hospital e a rede básica tem um meio do caminho, o das especialidades, que está totalmente descoberto. Daí a fila de consultas, cirurgias eletivas e exames.

MÉDICOS

Há mais de 60 mil médicos na capital paulista, 35 mil são especialistas, o que dá 4,6 médicos por mil habitantes, uma proporção superior à de países como Canadá, França e Inglaterra. Mas apenas uma pequena parte desse contingente (aproximadamente 15 mil) atua na rede municipal.

Não há política para fixar os profissionais na rede pública e muito menos para resolver a falta de especialistas. "Ah! Mas a gente abre concurso e não há interesse", argumentam os gestores.

A questão é que, na avaliação de especialistas, há possibilidade de fazer mais (o orçamento municipal da saúde chega a R$ 7,3 bilhões). Por exemplo, com programas próprios de residência médica nas áreas de maior demanda.


Endereço da página: