Folha de S. Paulo


Seis meses após temporal na Grande SP, famílias voltam a áreas de risco

A casa da cozinheira Patrícia de Melo, 40, está duplamente em risco. Nos fundos, um enorme barranco está prestes a cair em cima dos três pequenos cômodos. Na frente, um córrego ameaça inundar tudo –de novo.

Já aconteceu. Há exatos seis meses, no dia 10 de março, uma forte chuva atingiu o Estado, em especial a Grande SP, matando 25 pessoas —2.965 ficaram desabrigadas, segundo balanço do governo.

Naquele dia, no intervalo de seis horas, choveu o equivalente ao esperado para todo o mês. O resultado foram enxurradas e deslizamentos.

A casa de Patrícia ficou inundada até o teto. "Está vendo aquela marca? Bateu ali", aponta. Quando a água baixou, após alguns dias, ela e seus quatro filhos pequenos retornaram ao mesmo local.

Avener Prado/Folhapress
FRANCO DA ROCHA, SAO PAULO, BRASIL, 06-09-2016: Seis meses depois, situação das famílias que sofreram com os deslizamentos de terra em virtude das fortes chuvas de março. Naquela ocasião, 25 pessoas morreram nos municipios de Mairiporã e Francisco Morato. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA *** Franco da Rocha - antes e depois ***
Caieras (SP), na época e seis meses depois da enchente em março
Moacyr Lopes Junior - 11.mar.2016/Folhapress
CAIEIRAS, SP, BRASIL. 11.03.2016. Area alagada em Caieiras durante a enchente. (Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, COTIDIANO). ***EXCLUSIVO *** Franco da Rocha - antes e depois ***
Caieras (SP), na época e seis meses depois da enchente em março

Seis meses depois, famílias que ficaram desabrigadas na tragédia voltaram a viver em áreas de risco: na beira de córregos e no alto ou logo embaixo de barrancos que ameaçam cair. Nesta semana, a Folha voltou a três cidades da Grande São Paulo que foram os cenários principais da tragédia: Mairiporã, Franco da Rocha e Francisco Morato.

Em visita a um dos municípios, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu: "As famílias que precisam vão receber auxílio aluguel".

As prefeituras, segundo o tucano afirmou à época, estavam autorizadas a pagar o benefício, com ajuda do governo do Estado. Uma verba de R$ R$ 680 mil foi liberada.

A cozinheira Patrícia de Melo não recebeu nada da Prefeitura de Francisco Morato, cidade onde mora. "Fiz um cadastro. Disseram que eu receberia e que iriam me dar um apartamento. Mas até agora, nada", diz.

A poucos metros dali, já em Franco da Rocha, vive a dona de casa Amanda Pires de Almeida, 20. Bem ao lado da casa, também há um córrego. Em março, Amanda, que estava grávida de noves meses, saiu fugida quando a água começou a encher a casa.

Avener Prado/Folhapress
Franco da Rocha (SP), durante e depois da enchente
Franco da Rocha (SP), na época e seis meses depois da enchente
Zanone Fraissat - 14.mar.2016/Folhapress
Franco da Rocha (SP), durante e depois da enchente
Franco da Rocha (SP), na época e seis meses depois da enchente

"Está vendo aquela marca perto do teto? A água chegou ali. Perdemos quase tudo", conta. Só sobrou o fogão, que, por milagre, continua funcionando. Emanuelly de Almeida, agora com seis meses, nasceu dois dias depois daquele temporal.

A família também não está recebendo o auxílio aluguel prometido pelo governo e pela prefeitura. "Quando procurei saber, um funcionário disse que eu não tinha direito [ao benefício]. Aí desisti", conta Amanda. "Quando chove, a gente fica assombrado, morrendo de medo."

O governo do Estado informou que Francisco Morato não solicitou nenhuma ajuda para pagar auxílio aluguel às famílias, ao contrário das outras duas cidades.

Segundo o governo paulista, o cadastro dos beneficiados é feito pelas prefeituras. No total, 160 famílias estão recebendo a ajuda em Mairiporã e Franco da Rocha.

BEIRA DO MORRO

Mas não foi só a falta de auxílio aluguel que fez as famílias retornarem a áreas de risco. Há quem tenha conseguido o benefício, mas continue na mesma situação. Por quê?

O pedreiro Epaminondas de Sousa, 48, tem uma explicação: "Aqui em Mairiporã, por R$ 400 você só consegue alugar uma casa na beira do morro", diz o pedreiro.

Avener Prado/Folhapress
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Moacyr Lopes Junior - 11.mar.2016/Folhapress
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente

Ele mesmo vive assim: em risco, no alto de um barranco. Em março, parte desse morro desabou em cima de três casas, matando dez pessoas soterradas –sete delas da mesma família.

Algumas casas foram interditadas, outras não. Enquanto isso, novas construções vão surgindo em pontos do morro. Epaminondas, mesmo, é o pedreiro responsável por algumas delas. "Medo a gente tem [de viver em área de risco], mas vai morar onde? Tem que ser aqui mesmo."

Nos morros das três cidades, casas precárias coladas umas às outras dão uma mostra da ocupação desenfreada que existiu ali. Em algumas ruas não há asfalto, e o esgoto é despejado no córrego, como ocorre com a casa da cozinheira Patrícia de Melo.

Levantamento da Folha publicado em março, junto a dados da Fundação Seade e do IBGE, mostrou que a expansão populacional vem atingindo especialmente as cidades que beiram a divisa com a zona norte da capital, região da Serra da Cantareira.

Avener Prado/Folhapress
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Moacyr Lopes Junior - 11.mar.2016/Folhapress
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente
Franco da Rocha, na época da chuva e seis meses depois da enchente

Urbanistas apontam essa região como um dos principais alvos de uma "urbanização selvagem" em São Paulo. A ocupação ocorre em solo inadequado para moradia, abrindo margem para tragédias como a de março.

GOVERNO

O governo de São Paulo informou, por meio de nota, que a fiscalização da situação de famílias que vivem em áreas de risco é de responsabilidade das prefeituras.

O Estado diz que 160 famílias de Mairiporã e Franco da Rocha que ficaram desabrigadas nas chuvas de 10 de março continuam recebendo auxílio aluguel. A Prefeitura de Francisco Morato, segundo a gestão Geraldo Alckmin (PSDB), não encaminhou "nenhuma documentação solicitando auxílio moradia".

Além disso, diz, 348 apartamentos do Residencial Polônia, em Franco da Rocha, serão entregues até o final do ano para vítimas das chuvas.

A Prefeitura de Francisco Morato informou que "toma medidas preventivas por meio do monitoramento do volume das chuvas a partir de seis pluviômetros instalados no município, além da intensificação da fiscalização das áreas de risco".

A prefeitura não comentou, porém, o fato de não ter solicitado ajuda financeira para pagar auxílios. "Algumas famílias se recusam ou retornam aos imóveis interditados mesmo conhecendo os riscos, no entanto, a prefeitura tem intensificado a fiscalização e orientado às famílias a atenderem a determinação da Defesa Civil", diz.

A Prefeitura de Franco da Rocha afirma que realizou o monitoramento e manteve o "congelamento das áreas de risco, principalmente para evitar novas ocupações".

Sobre o auxílio aluguel, a prefeitura informou que abriu prazo aos interessados afetados pedirem a ajuda. "Infelizmente, muitos não procuraram o protocolo para encaminhamento junto à diretoria de habitação", diz.

O governo do Estado informou que aguarda procedimentos burocráticos para a construção de dois piscinões em Franco da Rocha.

Os equipamentos foram prometidos em 2011 pelo governador Geraldo Alckmin.

Afirmou também que já construiu um sistema de pôlderes na cidade, e realizou o desassoreamento do rio Juqueri.

Chuva em SP


Endereço da página:

Links no texto: