Folha de S. Paulo


Policiamento comunitário na USP faz um ano sem cumprir promessas

Karime Xavier/Folhapress
SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -01 /09/16 -18 :00h - Um ano depois do acordo que colocou a Polícia Comunitária no campus da USP, dados mostram que crimes sofreram uma leve queda. Mas a presença de PMs na USP é tímida --alunos relatam ver mais guardas universitários que policiais. Na quarta, quando um ônibus foi incendiado, a resposta da PM foi lenta. A Guarda Universitária teve que ir até a base da polícia, na praça do relógio, para chamá-la. Alunos também dizem não ter proximidade com os PMs, como era a proposta da Secretaria de Segurança Pública, que diziam que os PMs até saberiam o nome de alguns alunos. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***COTIDIANO
Campus da Universidade de São Paulo à noite; estudantes reclamam de sensação de insegurança

Apesar de queda nos índices de criminalidade na USP um ano após a implementação da polícia comunitária no campus, a maioria das promessas feitas na época não foi cumprida. O modelo comunitário prevê uma ação mais preventiva e envolvida com a sociedade por parte da Polícia Militar.

De oito compromissos assumidos pela universidade e pela Secretaria da Segurança Pública, seis não foram mantidos. A sensação de insegurança permanece na Cidade Universitária, na zona oeste de SP, onde circulam cerca de 100 mil pessoas por dia.

Na quarta (31), um ônibus foi incendiado por cerca de 30 pessoas no campus. A polícia suspeita que tenha sido retaliação de um grupo da favela São Remo, localizada ao lado da USP, à morte de um morador pela PM após roubo a uma casa no Jardim Bonfiglioli. Na sexta (2), rumores de novos ataques na universidade fizeram alunos saírem mais cedo.

No caso do ônibus, a Guarda Universitária foi a primeira a chegar. A PM apareceu após a guarda chamar os agentes, segundo a Folha apurou. A PM nega.

É exemplo da presença tímida da polícia no campus, que mal é testemunhada por alunos. A Folha percorreu o campus durante três noites e viu a PM circulando só uma vez, em duas motos.

Há duas bases da polícia com dois PMs cada: uma temporária, em contêineres na Praça do Relógio, e outra em um trailer próximo ao portão 3. A base fixa, uma das promessas feitas no ano passado, ainda não saiu do papel.

Discussões sobre a segurança no campus também não. A implementação da polícia comunitária foi acelerada quando um aluno foi baleado numa tentativa de assalto em setembro de 2015.

Na ocasião, o chefe de segurança da USP, professor José Antonio Visintin, afirmou que a discussão sobre o policiamento com alunos, professores e funcionários se daria "paralelamente à implementação", com reuniões e debate on-line. Isso não aconteceu.

"Quando centros acadêmicos nos chamam, vamos lá falar com eles", diz ele. Algumas unidades, como a FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), são historicamente contrárias à presença da PM no campus.

Estava prevista também a criação de um Conseg (Conselho Comunitário de Segurança), grupo vinculado à Secretaria da Segurança Pública, com integrantes da comunidade da USP, que discutiria a segurança na universidade. Isso não aconteceu.

Hoje, 42 policiais estão no programa e 30 circulam diariamente pelo campus, segundo o tenente Ricardo Telles, comandante do policiamento da USP. O tamanho do efetivo é uma das metas atingidas. Houve queda de 32% dos crimes no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2015.

Mapa das bases da PM na USP + promessas

Mas não há proximidade entre policiais e alunos. Policiais ouvidos pela Folha disseram só ter interação com estudantes quando estes pedem informações na base temporária. Telles diz que há.

Os amigos Andreza Silva, 18, e Thais Tekeuchi, 19, alunas de economia, e Victor Shin, 19, de ciência sociais, dizem não se sentir seguros. Para Shin, a iluminação melhorou –é a outra meta cumprida. Silva e Tekeuchi falam em "áreas desertas sem polícia". Todos dizem ver "raramente" os agentes no campus.

A Secretaria da Segurança Pública havia prometido também um curso de defesa pessoal às mulheres, que não aconteceu. Visintin afirmara que a USP teria um aplicativo para alunos acionarem a Guarda Universitária ou a PM. Segundo ele, o aplicativo será lançado nesta terça (6).

OUTRO LADO

Chefe de segurança da USP, o professor José Antonio Visintin afirma que o policiamento no campus deve ser feito "sem atropelos", por isso é que promessas não foram cumpridas.

"Vamos mostrando, fazendo... E a comunidade vai observando o papel da polícia comunitária. Prefiro ser mais lento e mais sedimentado do que tomar decisões muito rápidas", diz. "As coisas na universidade não acontecem em uma velocidade rápida", acrescenta. "Fazemos a coisa mais tranquila possível, sem atropelos."

Segundo ele, o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) ainda não foi criado por um problema jurídico. "Queremos incluir professores, alunos e funcionários, num modelo diferente daquele da Secretaria da Segurança Pública."

Crimes na Cidade Universitária - De janeiro a julho

Não há previsão para sua criação. Já as reuniões e discussões com alunos são feitas quando centro acadêmicos solicitam, de acordo com o professor.

A base fixa para a Polícia Militar no campus está em licitação, diz. E o aplicativo da USP feito para a comunidade deve ser lançado na terça-feira (6), segundo Visintin.

O chefe de segurança da USP defende a iluminação no campus. "A iluminação está perfeita. Se andar aqui à noite, parece de dia", afirma.

Crimes no 91º DP - Ceagesp - De janeiro a julho

Alunos reconhecem que está menos escuro, mas ainda assim apontam lugares com luz ruim, como o centro da Praça do Relógio, onde há relevo com pedras.

Segundo a assessoria de imprensa da USP, desde 2013 e de forma gradativa estão sendo instaladas 7.000 novas luminárias, abrangendo sistema viário, caminhos de pedestre, elementos paisagísticos e esculturais.

Um processo para aquisição de novas câmeras está em licitação.

POLÍCIA MILITAR

Para o tenente Ricardo Telles, comandante do policiamento na USP, a resistência de uma parcela da comunidade acadêmica à presença de Polícia Militar no campus da universidade "começou a ser quebrada".

"É um processo lento. Temos que tomar cuidado e respeitar o espaço acadêmico. O principal intuito era reduzir crimes e isso aconteceu", diz.

Ele afirma que "o campus é muito grande" e que a polícia "não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo", mas que ronda a universidade em quatro viaturas e uma equipe de moto.

Crimes na cidade de São Paulo

Em determinados horários, diz, fica em pontos fixos, como, por exemplo, o Hospital Universitário e a saída para a favela São Remo.

Sobre a relação com alunos, Telles declara ter contato com estudantes de unidades como Geociência, Politécnica e ECA (Escola de Comunicações e Artes) e, principalmente, com integrantes do USP Livre, um movimento contra greves.

O tenente diz ter participado de um grupo de WhatsApp com 15 alunos, alguns do movimento com o objetivo de debater segurança. O grupo virtual não existe mais.

"Tenho reuniões semanais com a guarda universitária. Alguns funcionários da prefeitura do campus também participam da reunião. E vira e mexe alunos procuram a gente", afirma ele.

ÔNIBUS QUEIMADO

Na noite de quarta, um ônibus municipal saía do terminal da USP em direção ao Parque D. Pedro 2º, no centro de São Paulo, quando seu trajeto foi interrompido.

Oito passageiros, o motorista e a cobradora viram cerca de 30 pessoas jogar pedras no ônibus e mandar todos descerem dali. Alguns estavam armados. Eles haviam saído de uma porta para pedestres que existe na Cidade Universitária e dá para a favela São Remo.

Aconteceu por volta das 19h20. O grupo, que aparentava ter menores, voltou rapidamente pela mesma porta de onde havia saído.

A guarda universitária foi atender a ocorrência. A polícia também foi chamada, mas, segundo dois guardas, quem teve de pedir a ação da PM na base foram os próprios agentes da USP.

Os policiais teriam levado dez minutos para chegar ao local. O tenente Ricardo Telles, comandante do policiamento da universidade, nega que isso tenha ocorrido.

"Por volta das 19h21 a central de monitoramento informou que havia indivíduos suspeitos parando o ônibus. Às 19h24, a equipe de moto encostou no local", afirma.

Um táxi estacionado ao lado também foi atingido pelo incêndio. Pertencia a Allan Souza, 24, também morador da favela São Remo.

A principal hipótese da polícia é que o ataque tenha partido de moradores da São Remo, em retaliação à morte de um morador pela PM após um assalto a uma casa no Jardim Bonfiglioli (zona oeste).

Com o ataque, ônibus pararam de circular no campus e alunos do período noturno ficaram sem saber o que estava acontecendo.

Alguns andaram em grupo até as saídas da USP; outros esperavam caronas. Alunos que haviam lido relatos nas redes sociais e no WhatsApp iam informando os outros sobre a ausência de ônibus no campus.

No ponto da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), alguém pendurou um aviso que informava não haver ônibus ali.

Na quinta (1º), alunos ainda falavam sobre o que havia acontecido na noite anterior. Alguns tinham ouvido que arrastões tinham acontecido no campus. "Não me sinto segura, principalmente à noite", disse Kathyrin Sznajder, 22, aluna de administração.

A cena de uma USP paralisada se repetiu na sexta-feira (2), quando rumores de que o campus seria alvo de novos ataques criminosos esvaziaram a Cidade Universitária.

Na porta da biblioteca da ECA (Escola de Comunicações e Artes), um cartaz informava que "por causa da situação da faculdade", as atividades seriam encerradas às 17h30. Alunos e funcionários de diversas unidades foram liberados mais cedo.

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Números da USP

Área da Cidade Universitária: 3,6 milhões de m²

Pessoas que circulam no campus: 100 mil por dia

Policiais militares: 42 (15 por turno)

Guarda universitários: 63 (cerca de 20 por turno)

O que é policiamento comunitário? Inspirado no programa japonês koban, modelo implantado em 9.set.2015 insere policiais permanentes no campus. Antes, PM entrava em ações pontuais


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