Folha de S. Paulo


ELISA TUNGUICA, 32

Mãe migra para o Brasil em busca de atendimento médico para filha

RESUMO Jéssica, hoje com um ano e três meses, foi encontrada com poucos dias de vida abandonada em um lixão em Cabinda, em Angola. No hospital, conheceu a policial Elisa, 32, que a adotou.

Jéssica nasceu sem o pé e parte da perna esquerda. Sem conseguir atendimento em Angola, a mãe mudou-se para o Brasil, onde Jéssica se trata. Em dois meses, ela deve fazer cirurgia para ganhar uma prótese e conseguir andar.

Pierre Duarte/Folhapress
Elisa Tunguica e sua filha, Jéssica
A policial angolona Elisa Tunguica, 32, e sua filha, Jéssica

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Era maio de 2015 e eu acabava de chegar de férias do Brasil. Ao voltar para o trabalho, na maternidade em Cabinda, em Angola, onde atuo como policial de imigração, ouvi as enfermeiras contando de uma recém-nascida resgatada de um lixão, abandonada para morrer.

Ela foi encontrada por garotos que brincavam em um campinho ao lado e deixaram a bola cair no local. Foi dada como morta, mas um rapaz notou que ela se mexia e a levou até o hospital. Aquela história me chamou a atenção e quis conhecer a menina. O corpo dela estava cheio de picadas, já que ela havia ficado em meio ao lixo e exposta aos insetos por pelo menos dois dias.

Ela também não tinha o pezinho esquerdo, sua mãozinha era atrofiada e os dedinhos eram colados. Apesar das deficiências, nada tirava o encanto daquela criança. Foi amor à primeira vista. Procurei os médicos do caso para saber do seu estado e, para minha surpresa, ela já havia recebido alta, mas ainda estava lá por não ter um lugar para onde ir.

Lá em Angola não é como aqui no Brasil, onde bebês abandonados vão para abrigos. Lá elas ficam no hospital até serem adotadas. Não pensei duas vezes. No mesmo dia fiz a documentação para adotá-la e no fim do dia já a levei para casa.

Eu a chamei de Jéssica, que significa protegida por Deus. Afinal, somente uma criança muito protegida para aguentar tanto sofrimento logo nos primeiros dias de vida.

O TRATAMENTO

Busquei logo tratamento para a deficiência na perna. Meu maior sonho sempre foi ver a minha pequena andar. Fomos para Luanda, capital, mas, segundo o pediatra, ela só poderia passar por cirurgia para colocar a prótese depois dos 6 anos de idade.

Não me conformei. Afinal, como minha filha ia aprender a andar depois de grande? Pra mim, que não entendo nada de medicina, ela teria que passar por essa fase ainda pequena, para já aprender a dar os primeiros passos usando uma prótese. Foi por isso que resolvi vir ao Brasil.

No começo deste ano, com a ajuda de uma amiga de São Paulo, marcamos uma consulta e fomos a um ortopedista infantil. A resposta? A Jéssica deveria passar por cirurgia imediatamente. Fiquei feliz em saber que minha filha poderia andar se colocasse a prótese. Mas o procedimento custaria em torno de US$ 10 mil (hoje cerca de R$ 32 mil), um dinheiro que eu não tinha.

Voltei para Angola para juntar esse valor. Fizemos vaquinha e até campanha na TV de lá, mas conseguimos apenas US$ 7.000 (R$ 22 mil). Mesmo assim, decidi voltar para o Brasil e tentar negociar o valor do tratamento.

Fomos novamente naquele médico, mas, para meu desespero, eu havia entendido errado. Os US$ 10 mil eram só o valor da cirurgia. O total chegaria a US$ 50 mil (R$ 160 mil). Nem se eu guardasse dinheiro durante meses daria.

A ESPERA

Ia desistir. Estava pronta para ir para os Estados Unidos ou mesmo Cuba, até que minha amiga me falou do SUS (Sistema Único de Saúde), que ofereceria esse tratamento de forma gratuita. Fiz toda a documentação, mas a fila era grande. Esperamos por dois meses, e nada. Nem consulta agendada.

Comecei a pesquisar alternativas. Aí cheguei a São José do Rio Preto. Por se tratar de interior, pensei que a fila de espera seria menor. E foi. Faz quase três meses que chegamos. A saga da Jéssica está em mais um capítulo.

Hoje ela conta com uma equipe multidisciplinar na AACD, no Lucy Montoro, e é acompanhada por médicos do Hospital de Base. A vida não está sendo fácil no Brasil. Tive que me afastar do meu emprego. Moramos em um quarto de uma república e nos mantemos com a ajuda de moradores. Mas pela Jéssica eu faço de tudo. Em dois meses ela fará a cirurgia e vai colocar a prótese. Finalmente a minha pequena vai conseguir andar.


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