Folha de S. Paulo


Sob Alckmin, 2 em 3 unidades para jovens infratores estão superlotadas

Duas em cada três unidades da Fundação Casa abrigam mais jovens que sua capacidade. Dados obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação mostram que 94 (64%) dos 146 pontos de atendimento no Estado de São Paulo estão superlotados.

Criada em 2006 para substituir a antiga Febem, a instituição comandada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) interna jovens de 12 a 21 anos e passa por crise sem precedentes de superlotação, segundo a própria instituição admitiu em relatório.

O problema já levou jovens com infrações graves, como homicídio, a serem liberados antes dos três anos —tempo máximo de internação permitido pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Na capital, normalmente a Justiça só interna jovens envolvidos com tráfico ou roubos na terceira reincidência.

Dados oficiais mostram que, em julho, a fundação abrigava 9.571 adolescentes, ante uma capacidade total de 9.129. Eles cumprem internações, passagens provisórias ou de semiliberdade —quando há autorização para saídas durante o dia.

Para aumentar as vagas, em 2007, o Tribunal de Justiça de SP admitiu que cada unidade poderia operar com até 15% a mais do que sua capacidade. Mas no fim do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) revogou a medida, dizendo que não cabe à Justiça ditar lotação. A fundação, porém, segue utilizando essa margem de 15%.

FUNDAÇÃO CASA - Duas em cada três unidades têm mais adolescentes do que suportam

Por exemplo, a unidade Rio Tocantins, no Brás (centro de SP), foi construída para abrigar 80 jovens em regime de internação provisória —esse número foi determinado pelo próprio governo de SP. A capacidade, porém, foi aumentada artificialmente para 92. Mesmo assim, há 119 jovens.

Isso ocorre em diversos outros locais. A Casa Marília, no interior do Estado, foi erguida para atender 88 adolescentes. A capacidade foi estendida para 101, mas atualmente opera com 110.

Para calcular o percentual de lotação de cada unidade, a Folha utilizou as capacidades iniciais determinadas pelo governo do Estado de São Paulo —sem a margem de 15%.

Para Fábio Bueno, promotor da Infância e Juventude de São Paulo, a superlotação atrapalha o atendimento personalizado a jovens infratores —uma forma de tentar reduzir as chances de eles voltarem a se envolver com o crime.

"O ECA diz que o atendimento se dê em pequenas unidades e de forma personalizada. Quando um assistente social atende 20 pessoas, consegue fazer um trabalho razoável. Quando ele precisa atender 40, acaba fazendo um algo superficial", diz.

Há dois anos, o Ministério Público entrou com uma ação para que a Fundação Casa crie mil novas vagas. O processo está parado na Justiça.

A ação pede também que o governo estadual cumpra o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). A norma federal determina que casas de internação devem ter no máximo 40 jovens.

VISITA

Na última quinta (25), a reportagem realizou uma visita monitorada à Rio Tocantins, uma das mais cheias.

Uniformizados e com a cabeça raspada, adolescentes tinham aulas e assistiam a filmes. Alguns eram atendidos por psicólogos. Nos quartos, com oito camas, dormem 11 jovens —três deles no chão.

"Acho aqui bem de boa, tem até sobremesa. Mas já fiquei em outra [unidade] que era ruim. A gente apanhava todo dia, era cheia. Aí fizemos uma rebelião", conta B., 17, que está na Fundação Casa pela segunda vez, por roubo.

FUNDAÇÃO CASA - Unidades

OUTRO LADO

Em entrevista à Folha, a presidente da Fundação Casa de SP, Berenice Giannella, afirmou que a lotação de jovens acima da capacidade na maioria das unidades não prejudica o trabalho da instituição no cumprimento das medidas socioeducativas.

"Esse excesso de lotação significa seis ou sete meninos a mais na maioria dos casos. Isso não prejudica o nosso atendimento. Todos os meninos fazem esporte, têm aula de arte e cultura, vão na escola, são vacinados. As medidas fazem a parte delas", disse.

"É claro que nós não somos mágicos, há um contexto maior. Os meninos chegam analfabetos, com famílias desestruturadas. Quando eles saem daqui, voltam para esse mundo", afirmou.

Ela também creditou a superlotação a um excesso de rigor de juízes, principalmente no interior do Estado de São Paulo, ao determinar internação para jovens envolvidos com o tráfico de drogas.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que, em caso de primeira passagem por tráfico, o jovem deve cumprir medidas alternativas, como a de semiliberdade. Só deve ser internado em caso de reincidência.

Fundação casa - Capacidade

Ato infracional - Em %*

"Há um exagero no caso de internação por tráfico de entorpecentes, principalmente no interior", afirmou Berenice, presidente da fundação paulista desde 2006.

Para ela, também há excesso de internações provisórias, quando o jovem fica por 45 dias numa unidade, esperando a Justiça decidir se ele ficará por mais tempo ou será liberado. Segundo ela, 30% das provisórias não se convertem em internações.

"Tenho plena convicção de que, se não houvesse excesso de internação provisória ou por tráfico, nós teríamos vagas sobrando. Muitas vezes, o juiz quer dar um susto no adolescente e, depois de 45 dias, o solta. Se vai soltar, porque internou provisoriamente?", declara.

Sobre a capacidade estendida, quando a Fundação Casa supera a lotação em 15% em algumas unidades, Berenice argumenta que a estratégia não é usada em toda a rede da instituição.

"Usamos na região oeste, onde mais de 80% dos meninos são internados por tráfico, e na capital, em unidades de internação provisória."

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, diz, refere-se a uma questão de competência. "A decisão diz que o Judiciário não pode determinar quantos meninos vão ficar em cada unidade. Isso é uma questão do Executivo", explica.

Sobre denúncias de agressão a adolescentes, Berenice afirma que a Corregedoria da fundação investiga os casos e pune os responsáveis.

Fundação Casa


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