Folha de S. Paulo


Criminosos trocam telefone por apps e travam investigação de mega-assaltos

A polícia de São Paulo tem enfrentando cada vez mais dificuldades para impedir grandes ações criminosas como a tentativa de mega-assalto desta quarta-feira (17) na Grande SP. A justificativa é que ela não pode contar mais com uma de suas principais ferramentas de investigação: o "grampo" telefônico.

Segundo delegados ouvidos pela Folha, os grandes criminosos passaram a se comunicar quase que exclusivamente por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram, cujos conteúdos os investigadores não conseguem acessar.

As empresas de tecnologia alegam, segundo a polícia, que não podem repassar informações em tempo real porque não têm acesso ao conteúdo do usuário —o que deixa policiais muitas vezes às escuras na apuração. Essa é a mesma justificativa dada à Justiça nas ações que determinaram o bloqueio e multas ao WhatsApp.

Mesmo com a dificuldade, essa reclamação não é alardeada pela polícia para não alertar os criminosos que ainda continuam a falar pelo telefone.

Durante entrevista, por exemplo, o diretor do Deic (especializado em roubos) Emygdio Machado Neto externou esse problema de investigação ao tratar da tentativa de assalto em Santo André. "Você sabe do problema da comunicação. Eles [os criminosos] não estão comunicando mais da forma que a gente... né?", disse.

Sobre as prisões da tarde desta quarta, os policiais conseguiram localizar rapidamente os suspeitos porque já vinham monitorando um outro criminoso, que acabou conversando com parte desse grupo.

A mudança de tecnologia também foi uma das principais dificuldades da polícia durante os ataques da facção PCC, em 2006, quando criminosos passaram a matar policiais e atacar prédios públicos.

De acordo com o Ministério Público, na época, integrantes da facção passaram a se comunicar com rádios Nextel, o que era uma novidade para a polícia. Mesmo quando um suspeito era grampeado, a demora na decodificação do conteúdo impedia que a polícia conseguisse evitar os crimes.

SEM CONFRONTO DIRETO

Especialistas em segurança ouvidos pela Folha afirmam considerar correta a estratégia da polícia de evitar confrontos com os criminosos dos mega-assaltos.

Para o analista criminal Guaracy Mingardi, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa estratégia —mesmo que forçada— consegue evitar uma guerra urbana. "Acredito que estão sendo levados um pouco pelas circunstâncias, porque esse enfrentamento não é fácil, e também pelo bom senso."

E continua: "Se houver um confronto numa área urbana, vira uma guerra urbana. Vai ter um monte de mortes e feridos civis", disse ele. Isso não justifica, segundo ele, a proposta de lei que está sendo discutida que pretende tirar da área urbana as empresas de valores.

O ex-delegado-geral Marcos Carneiro Lima também aponta a mesma consequência do enfrentamento. O armamento utilizado por essas quadrilhas é extremamente letal e pode ferir pessoas inocentes. "Se a polícia enfrentar, vai virar uma guerra. E numa guerra, a principal vítima sempre é a sociedade", afirmou.

Mega-assaltos em SP

Lima disse que esse tipo de crime vai diminuir quando a polícia prender os suspeitos usando a inteligência. Para ele, as empresas de valores precisam implantar mecanismos de segurança para dificultar a ação de criminosos.

O coronel da reserva José Vicente da Silva, consultor em segurança, também defende o enfrentamento apenas pela inteligência e não pelo uso da força. Ele critica a polícia do Rio, que fez isso constantemente na cidade.

Silva disse que a estimativa é que no Rio haja cerca de 3.000 fuzis e em São Paulo cerca de um terço disso —"o que é muita coisa". Um dos fatores que provocam esse problema é a falta de fiscalização das fronteiras. "Nossas fronteiras são esburacadas", afirmou.

Integrantes da cúpula da segurança disseram à reportagem que a rapidez com que os criminosos fazem as ações impede a implantação de uma equipe especial pra enfrentamento. Por isso, os criminosos procuram agir em cerca de 40 minutos para reduzir as chances da organização da força policial para fazer cercos e mandar equipes especiais, como as da Rota.


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