Folha de S. Paulo


Lincoln Gonçalves Santos, 32,

Condenado apresenta TCC para juíza que o autorizou a fazer faculdade

RESUMO O paulista Lincoln Gonçalves Santos, 32, foi condenado a 25 anos e quatro meses de cadeia por latrocínio (roubo seguido de morte) em 2005 –ele se diz inocente. Em 2011 conseguiu aval judicial para estudar.

No mês passado, ao concluir o curso de direito em São José (SC), convidou para a avaliação de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) a juíza que autorizou suas saídas, Denise Helena Schild de Oliveira. Ela afirma que é gratificante abrir caminhos e dar oportunidade à ressocialização "de quem esteve à margem da sociedade".

Marco Favero/Folhapress
O advogado Lincoln Gonçalves Santos, 32
O advogado Lincoln Gonçalves Santos, 32

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Fui preso em 1º de abril de 2005. Dias antes aconteceu um homicídio na praia do Rosa [litoral sul de Santa Catarina]. Acharam meu celular lá e disseram que fui eu que matei. O homem levou um tiro no olho. Sempre neguei. Eu tinha vendido o celular.

Eles me acusaram de latrocínio, tentativa de latrocínio e porte de arma. O juiz me condenou por latrocínio: 25 anos e quatro meses. Fui informado da sentença pelo diretor da unidade. Ele chegou por trás da cela, rindo, e disse, no seco: "Tenho uma boa notícia: o juiz te condenou a 25 anos".

A JUÍZA

Depois de condenado, passei por seis prisões. A maior parte fiquei em São Pedro de Alcântara [na Grande Florianópolis]. O mais pesado foi o pavilhão 2. Lá só tem violência e ódio. Mataram dois na minha frente.

Em novembro de 2010 falei com a juíza [Denise Helena Schild de Oliveira]. Foi por acaso. Ela estava na unidade e viu que tinham me jogado na cela e dado um chute.

Perguntou: "Te bateram?". "Não, mas estão com vontade", respondi. E perguntei se ela acreditava que alguém poderia mudar naquele lugar. "Estudando e trabalhando" as pessoas mudam, disse.

Fazia quatro meses que eu tinha encaminhado pedido para estudar. Ela disse que autorizaria. Perguntei se poderia confiar na palavra dela. Ela disse "sim" e perguntou o curso. "Direito". Ela riu.

O CURSO

Ganhei autorização para sair às 6h, pegar o ônibus às 6h30, ficar na aula até as 11h e às 13h voltar para a cadeia. Um dia perguntei a um agente se a autorização já tinha chegado. Ele disse: "A única autorização que tenho é para te espancar".

Isso foi numa segunda-feira. Na terça fui para a faculdade [Univali (Universidade do Vale do Itajaí)]. Sabe quem encontro lá, na mesma sala? O agente. Ele ficou branco. Não falou nada. Na primeira semana foi tudo tranquilo, com bastante entrosamento. A turma achava que eu era pobre por falar muita gíria. Ninguém sabia que eu era detento.

Mas, uma semana depois, o agente espalhou pra todo mundo que eu cumpria pena. Tinha até uma história que circulava de que eu chegava com o uniforme laranja, de camburão. Aí tudo mudou. Só dois ficaram meus amigos, o Luiz e o Raul.

Era bem difícil estudar porque na cadeia não tem acesso à internet. Eu fazia todos os trabalhos à mão. Tinha muito barulho também. Minha tia pagava 50% da mensalidade. Os outros 50% tinha bolsa do governo.

A BANCA

Em 2012, no dia 27 de abril, ganhei a liberdade [provisória]. Fui trabalhar com minha tia e estudava. Quando comecei a fazer o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], sobre direitos humanos, achei que deveria chamar para a banca alguém que tivesse me ajudado. Lembrei da juíza.

Falei com meu professor, e ele sugeriu passar um e-mail. Decidi ir pessoalmente fazer o convite. Um assessor perguntou quem eu era. "Um universitário".

A juíza abriu a porta. Perguntei se ela se lembrava de mim. Ela disse que não. Lembrei-a que havia autorizado minha saída e a convidei para a banca. Ela não teve reação. Só balançou a cabeça para dizer que iria. No fim, fui aprovado com nota dez.

O que penso para o futuro? Eu passei no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Mas estou correndo atrás de um mestrado. Quero trabalhar na universidade. Ajudar a ressocializar outros presos. Acho que toda universidade deveria ter ao menos duas vagas para presos que querem estudar.


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