Folha de S. Paulo


Busca por direito ao esquecimento na Justiça une de BBB a musa de time

Ser musa de um time de futebol é um fato que pertence à história do clube ou exclusivamente a quem deteve o título? No ano passado, a Justiça gaúcha analisou a questão ao julgar ação movida por Sofia Costa em 2014.

Ela tinha 19 anos quando concorreu pelo Grêmio no concurso de beleza "Rainha do Gauchão", em 2008. Seis anos depois, empresária, não quis mais ser conhecida pelo episódio. Pediu na Justiça a retirada dos registros da competição dos resultados da busca por seu nome na internet.

Assim como ela, uma ex-integrante do Big Brother Brasil também buscou a Justiça para mudar sua história na internet. Em nome do chamado direito ao esquecimento, pediu a remoção de links com fotos sensuais antigas supostamente suas.

Os casos ilustram uma demanda crescente no Judiciário. Pronto para ir a votação no Supremo Tribunal Federal, o direito ao esquecimento já foi citado em mais de 20 decisões judiciais em São Paulo só neste ano. Entre os alvos das ações, estão veículos de imprensa e sites de busca.

O tema foi a julgamento em ao menos outros oito Estados. Agora, será analisado pelo STF em processo movido contra a Globo pelos irmãos de Aída Curi, vítima de homicídio em 1958 no Rio.

O crime, de grande repercussão na época, foi reproduzido em 2004 pelo programa Linha Direta. À Justiça seus familiares pediram indenização e reconhecimento do direito a não reviver os fatos.

"O direito ao esquecimento é um nome novo para princípios constitucionais como o direito à intimidade e à dignidade", diz Roberto Algranti Filho, advogado dos irmãos.

A Globo afirmou que o programa abordou fatos históricos e trouxe à tona temas como violência contra a mulher.

A emissora obteve decisões favoráveis em primeira e segunda instância e no Superior Tribunal de Justiça. No Supremo, recebeu parecer favorável do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

"O chamado direito ao esquecimento, como vem sendo utilizado, é uma ameaça à liberdade de informação", disse a emissora em nota. "A sociedade tem direito ao acesso aos fatos de sua história."

Diretor da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Laurindo Ferreira admite a possibilidade de atualizar conteúdos, mas é contra a proibição de reportagens. "Tememos que se crie novo modelo para censura", diz ele, diretor de Redação do "Jornal do Commercio" (PE).

O tema é acompanhado de perto pelo Google. Em 2014, a empresa perdeu na Corte de Justiça Europeia ação movida por um espanhol que pedia a remoção de registros que lembravam uma crise financeira pela qual ele havia passado.

A empresa diz, agora, que o conceito não pode se aplicar globalmente. "A Rússia ataca discursos que são considerados 'propaganda gay', por exemplo", disse o Google.

Para Sérgio Branco, diretor do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), o direito ao esquecimento só pode ser aplicado em casos "absolutamente excepcionais", em que a informação não tem interesse público e causa muito prejuízo a alguém.

Para ele, é preciso considerar ainda por que a pessoa que pede direito ao esquecimento deixou de ser anônima.

O fator pesou na análise do caso da gaúcha Sofia Costa. Em seu voto, o desembargador Túlio Martins disse que o título de musa pode conferir vantagens, caso contrário provavelmente Sofia não teria concorrido, e concluiu: "a identificação das mulheres que, ao longo dos anos, ostentaram o título de Musa do Grêmio, faz parte da história do clube que, por ora, sobrepõe-se ao interesse particular da autora".

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Direito ao esquecimento

O que é
Conceito jurídico segundo o qual indivíduos teriam direito de suprimir registros sobre seu passado

Caso que está sendo debatido
1958 - Jovem Aída Curi é assassinada no Rio
2004 - Crime é reproduzido no programa Linha Direta, da TV Globo, e irmãos entram na Justiça
2013 - Conselho da Justiça Federal divulga interpretação sobre o tema: "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento"
2014 - Caso Aída Curi chega ao STF
jul.2016 - Procuradoria Geral da República pede que pedido dos irmãos seja rejeitado

Antecedentes
> Em 2014, um espanhol obteve vitória na Corte de Justiça da União Europeia após pedir a remoção de links no Google para o anúncio de uma casa que ele perdeu por dívidas
> A corte determinou que o Google apagasse dos resultados de sua busca dados "inadequados, irrelevantes ou não mais relevantes", quando solicitado por um cidadão

Argumentos a favor
> Direito ao esquecimento garante a proteção da dignidade
> Trazer à tona fatos do passado pode reabrir antigas feridas

Argumentos contra
> Remoção restringe a liberdade de informação
> Não se pode apagar a história

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