Folha de S. Paulo


TJ condena governo de SP a indenizar aluno comparado a vilão gay em classe

Estevam Avellar/Globo
Mateus Solano interpreta o personagem Félix em cena da novela 'Amor à Vida
Mateus Solano interpreta o personagem Félix em cena da novela "Amor à Vida"

O Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu decisão de primeira instância e condenou o governo paulista a pagar uma indenização de R$ 20 mil a um aluno da rede estadual que foi comparado na classe ao vilão gay Félix, da novela "Amor à Vida", da TV Globo. Cabe recurso.

O caso ocorreu em 2013, na Escola Estadual Professora Juracy de Neves Mello Ferracciú, em Piracicaba (a 160 km de São Paulo), segundo relato da família ao advogado, Homero de Carvalho –procurada, a mãe não quis dar entrevista.

Pelo relato ao defensor, o estudante, então com 11 anos e em uma turma do 6ª ano, voltou das férias em agosto usando óculos. Ao vê-lo na classe, diante dos demais alunos, uma professora de geografia disse que ele estava parecido com "um grande ator de TV de uma novela".

A partir da fala em voz alta da professora, os alunos disseram: "Ah, é o Félix! É o Félix!", referindo-se ao personagem interpretado pelo ator Mateus Solano. A professora então, ainda pelo relato da mãe ao advogado, respondeu: "É isso mesmo".

Ao saber do ocorrido, a mãe do aluno registrou um boletim de ocorrência. Após uma reunião de conciliação entre a direção da escola e a mãe, o menino acabou sendo transferido para outra unidade da rede.

O caso foi encaminhado ao Ministério Público, que acionou a Justiça. A decisão em primeira instância julgou a ação improcedente em junho do ano passado. "No entendimento da juíza responsável pelo caso em Piracicaba, não houve bullying ou ofensa à criança", disse o advogado da família, Homero de Carvalho.

A defesa recorreu e o caso seguiu para a 7ª Câmara de Direito Público do TJ, que o julgou na última segunda-feira (1º), condenando por unanimidade a Fazenda do Estado ao pagamento de uma indenização por danos morais de R$ 20 mil.

A professora não foi processada individualmente. "No nosso entendimento, a professora é tão vítima quanto o aluno, pois não teve um preparo pedagógico suficiente do Estado para lidar com essa questão", afirmou Carvalho.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba, Adriano Flabio Nappi, uma condenação judicial não é suficiente para impedir novos casos de bullying nas escolas.

"Devem existir nas escolas e na sociedade medidas efetivamente educativas que demonstrem que todos são iguais perante a lei independentemente de qualquer diferença", disse. "Tais medidas são necessárias a fim de se conscientizar não só da gravidade da agressão, mas que a vítima de bullying é uma pessoa de direitos e deveres como qualquer cidadão",

OUTRO LADO

Procurada, a Procuradoria-Geral do Estado informou que o órgão ainda não havia sido intimado do acórdão. "Assim que isso ocorrer, interporá, se o caso, os recursos cabíveis", informou.

Segundo o coordenador da equipe técnica de Diversidade Sexual e de Gênero da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica do Estado, Thiago Sabatine, a formação de professores no país em temáticas relacionadas à diversidade sexual ainda requer avanços.

"Uma pesquisa feita pelo instituto Ethos entre 2004 e 2008 apontou que em 2 mil cursos de pedagogia no país apenas 68 deles abordavam disciplinas relacionadas a gênero e diversidade sexual", apontou.

Ainda segundo Sabatine, todas as 91 Diretorias de Ensino contam desde 2013 com equipes técnicas próprias especializadas em Diversidade Sexual e de Gênero.

"Entre 2013 e 2015 mais de 3.000 professores em todo o Estado já receberam orientações técnicas em relação a esses temas. Além disso, oferecemos subsídio pedagógico por meio de videoconferências aos educadores, que abordam violência contra a mulher, bullying homofóbico e tratamento nominal ao aluno de acordo com sua orientação sexual", diz.

Ainda segundo a pasta, neste primeiro semestre, foram identificados 290 estudantes travestis e transexuais da rede que optaram por seu nome social.

Em nota, a Coordenação de Diversidade Sexual, ligada à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado, diz que "nenhum tipo de discriminação pode ser admitida e tem trabalhado arduamente para que essas atitudes não ocorram".

O órgão citou que possui uma Comissão Processante Especial para casos de LGBTfobia, baseada na Lei Lei Estadual nº 10.948/01, que proíbe atos discriminatórios em razão da orientação sexual ou identidade de gênero dos indivíduos. "No caso em questão, no entanto, não houve pedido de instauração de processo administrativo sobre o fato, optando a família do aluno pela judicialização da questão".

A entidade mencionou também o Sistema de Proteção Escolar, criado em 2009, que capacita Professores Mediadores Escolares e Comunitários, que recebem formações para lidar, segundo ela, "com situações de conflito motivadas pela discriminação em relação à orientação sexual e identidade de gênero".


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