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Na periferia de São Paulo, mãe chora para filho seguir na Fundação Casa

Karime Xavier/Folhapress
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Adolescente na periferia de São Paulo; clique e veja mais no especial "(Des)caminhos dos meninos"

Na última semana, a doméstica I.P., 37, chorou por seu filho. O rapaz, de 17 anos, tem oito passagens pela polícia e está na segunda internação temporária na Fundação Casa. Na quarta (29), ela acordou cedo e saiu do extremo da zona leste para ir à Justiça. Era dia de audiência e de ele voltar para casa.

Na Vara da Infância e da Juventude, no Brás, a diarista não se conteve ao ver o menino. Ela, no entanto, não chorou pela sua liberdade.

Na frente da juíza, da promotora e do defensor público, implorou para que o filho continuasse internado.

"A única coisa que eu peço é que não o deixe livre."

Ouça o depoimento de I.P.

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Karime Xavier/Folhapress
SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -30 /06/16 -11 :00h - Menores apreendidos - Vamos a São Mateus e Pq São Rafael, dois bairros que estão no topo da lista de locais com mais apreensões de menores. IJFS, 37, copeira mãe do garoto N.C.F., 15 anos que responde por 8 delitos. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress).
I.P., 37, prefere que o filho continue na Fundação Casa

À incredulidade na sala, seguiu novo apelo. "Estou vendo a hora de ele matar um pai de família e eu me sentir a pior pessoa do mundo", afirmou. "Prefiro um filho vivo preso, a um filho livre e morto. De repente ele aborda um policial e aí eu posso estar enterrando meu filho amanhã ou depois."

Em seu primeiro ato infracional, em 2015, o menino furtou três motos do pátio de uma delegacia. Apreendido, prometeu parar. Não parou.

Não foram poucas as vezes, ela afirma, que o filho lhe trouxe presentes. "Já quis me dar tênis, perfume. Eu não quis nada. Não com o dinheiro dos outros."

Aos poucos, o adolescente passou a se envolver em situações com adultos armados. Finalmente, no último mês, foi apreendido após fazer um assalto com uma pistola.

A apreensão de um menor e seu envio ao sistema socioeducativo ocorre quando seu ato infracional oferece risco à vitima –como um roubo com uso de arma–, ou quando sua própria integridade física estiver em risco. Em casos de menor potencial ofensivo, os adolescentes costumam ser liberados na presença de um responsável.

"Após 45 dias seu caso é analisado e ou ele [menor] sai em liberdade assistida ou fica internado", explica o advogado Ariel de Castro, do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos).

É o prazo pelo qual outra mulher, também diarista, no extremo da zona leste, espera. A poucos quilômetros de I.P., na casa humilde de três cômodos em São Mateus, D.S.B., 36, vive a mesma incerteza.

Desde 2014, seu filho, um adolescente de 17 anos, acumula 11 passagens pela polícia e virou mais do que conhecido na delegacia de São Mateus. "Chegou ao ponto de não saber mais o que poderia fazer com ele", diz a mãe.

No dia 4 de junho, o menino foi apreendido e levado para a Fundação Casa após tentar assaltar uma casa na mesma rua em que mora.

"Pelo o que ele já fez, tem que pagar. Não vou falar que ele está bem, mas ele está mudando, até o jeito de falar com a gente está mudando", afirma. "Se não mudar, das duas uma: ou morre ou toma um tiro e fica paraplégico."

Ouça o depoimento de D.S.B.

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DELEGACIA

–"Quanto você ganha com isso, moleque?"
–"R$ 200, senhor..."
–"E vale a pena? R$ 200 por mês e agora tá aqui..."
– "..."
–"É por mês, né?"
–"Dia, senhor."

Cabelo moicano, cabeça baixa, braços para trás, camiseta rasgada nas costas, o menino pisou pela primeira vez na delegacia do Parque São Rafael na quinta-feira (30).

Interpelado pelo escrivão, assumiu rapidamente que os 80 pinos de cocaína e a maconha eram dele. Há quanto tempo está nessa? "Faz um mês e meio, senhor."

Nem meia hora depois, a mãe e a tia sobem esbaforidas as escadas da delegacia. "Não quis acreditar, achei que era trote e liguei para minha irmã para ela confirmar", diz V.P., 43, olhar perdido entre a incredulidade e a vergonha. "Ele foi criado em família evangélica, quando que a gente vai imaginar?", diz.

"A sensação é de fracasso como mãe", desabafa.

Ouça o depoimento de V.P.

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Mais acostumada está I.P. "Não passo a mão na cabeça. Se eu fizer isso estou contribuindo para o crime dele e se amanhã ou depois ele morrer, eu vou me sentir culpada."


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