Folha de S. Paulo


Instável, menino de 11 anos morto por GCM passou de brincalhão a rebelde

Zanone Freissat/Folhapress
Escola onde estudava o garoto Waldik, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo
Escola onde estudava o garoto Waldik, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo

No teto da casa onde Waldik, 11, morava ainda há sinais de uma recente reforma. Um buraco, que servia de acesso à laje do imóvel, foi fechado para evitar que o garoto escapasse para a rua, contrariando as orientações da família.

"Parecia um homem aranha, escalava a parede e sumia pela rua", conta uma moradora de Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, a cerca de 30 km do centro.

Foi numa dessas escapadas que Waldik Gabriel Chagas, filho de uma família com nove irmãos, morreu no sábado (25), após uma escalada de rebeldia que terminou com perseguição equivocada da Guarda Civil Metropolitana e um tiro em sua nuca. "Ninguém consegue ficar 24 horas [ao lado do filho]", lamentou a mãe, Orlanda Correia Silva, 47.

Para a família, o garoto risonho e brincalhão se tornou arredio cerca de um ano atrás, quando passou a ter "más companhias".

Waldik Gabriel, ou Biel para os amigos, nasceu no interior da Bahia, em Brumado, mas logo veio para a capital paulista, onde sua mãe já morava havia 16 anos.

O garoto chegou a morar com a família em uma favela da Freguesia do Ó (zona norte) até que a família conseguiu arranjar uma pequena casa em Cidade Tiradentes.

Estreita, a construção tem poucos cômodos: uma sala contígua à cozinha, um banheiro e um quarto com duas beliches (cada uma com três camas). O pai de Waldik não vivia com a mãe do garoto. Motorista de caminhão, dizia esperar que ele crescesse para trabalharem juntos.

Waldik Gabriel Silva Chagas

Waldik cresceu cercado de crianças e gostava de brincar em casa com os irmãos –sete dos quais eram mulheres– e com as sobrinhas. O garoto se distraía com com jogos on-line e com o futebol com os amigos na rua.

Na visão da família, era assíduo como estudante. Mas, segundo colegas, às vezes escapava no meio das aulas e pulava o muro do colégio para empinar pipa –prática comum num terreno baldio ao lado da escola municipal Mailson Delane, onde estudou durante quase toda a vida.

ESCOLA

Quando ainda estava no 1º ano do ensino fundamental, a escola de Waldik chegou a ser fechada por um dia, devido a um toque de recolher imposto por criminosos. A ação era uma retaliação à morte de seis suspeitos durante troca de tiros com a PM.

Um morador relembra que, há um ano, um jovem de 16 anos foi morto pela polícia em frente ao mesmo colégio. "Aqui é assim, semana que vem vai ser outro garoto."

No ano passado, Waldik se mudou de escola, no meio do ano letivo. Sem conseguir se adaptar, acabaria trocando de colégio pela segunda vez depois de poucos meses.

Todas as escolas por onde passou estão abaixo da média nacional de desempenho –a melhor teve nota 4,7 no último Ideb (índice de avaliação da educação básica), contra média de 5,2 na capital.

No último colégio em que estudou, a escola estadual Oswaldo Gagliardi, funcionários relatam que Waldik era pouco presente às aulas. "Mas nunca deu trabalho, era uma criança normal", conta uma funcionária.

Segundo a mãe, o garoto não era bom aluno. "Era rebelde, mas muito carinhoso." Para ela, Waldik afirmava que seus colegas de classe implicavam com ele. "Ele dizia que os professores não faziam nada quando ele reclamava."

O colégio tem uma de suas paredes externas pichadas com símbolos alusivos a facções do crime organizado. No seu entorno, o clima é hostil à presença da PM. No bairro, nem todas as ruas são asfaltadas, e o lixo forma montes nas esquinas.

Com a falta de interesse pela escola, Waldik passou cada vez mais tempo na rua. Por vezes, dormia fora de casa. Irmãos temiam que o menino estivesse com jovens que praticavam roubos. Vizinhos procuraram a mãe para dizer que ele estava fumando.

No dia em que foi morto, o menino dormia em casa quando foi chamado por amigos para uma festa. A irmã tentou impedi-lo e trancou o portão. Mas Waldik tomou banho, se arrumou e fugiu. "Ele tinha um comportamento meio agressivo. Mas era carinhoso", diz a mãe. "Era instável, como qualquer de criança."

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Região onde garoto foi morto

CIDADE TIRADENTES

Abriga o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina. São cerca de 40 mil unidades, a maioria delas construída na década de 80

220 mil habitantes

Área do distrito: 15 km²

15% das famílias em situação de vulnerabilidade

21 vítimas de homicídio doloso e 1.283 roubos registrados em 2015

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em 2010: 0,708 (considerado alto –quanto mais próximo de 1, melhor a qualidade de vida da população)

Fontes: IDHM, Prefeitura de São Paulo e Secretaria Estadual de Segurança Pública


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