Folha de S. Paulo


Falha nos freios causou acidente de ônibus na Mogi-Bertioga, diz perícia

Divulgação
Sistema de freios do ônibus com estudantes que deixou 18 mortos na rodovia Mogi-Bertioga
Sistema de freios do ônibus com estudantes que deixou 18 mortos na rodovia Mogi-Bertioga

Falha no sistema de freios e alta velocidade provocaram o acidente de ônibus na rodovia Mogi-Bertioga que deixou 18 mortos no começo do mês. Essa é a conclusão da perícia que analisou o caso, divulgada nesta sexta-feira (24) pelo secretário Estadual de Segurança de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho.

"A conclusão é que o veículo trafegava numa velocidade acima da máxima permitida na via. E que os exames nos freios concluíram que o veículo possuía deficiência na frenagem devido ao desgaste excessivo do tambor dos freios dianteiros, que deveriam ter sido substituídos por novos, demonstrando manutenção inadequada do veículo", disse.

Ainda segundo Barbosa Filho, não se sabe qual a velocidade que o veículo estava no momento do acidente nem se ela foi provocada pela falta de freios.

"Talvez já tivesse imprimindo um excesso de velocidade aí veio a deficiência do freio, ou o excesso de velocidade é decorrência da inexistência, praticamente, do sistema de frenagem. [...] O que temos, de concreto, é que havia uma falha mecânica dos freios do ônibus."

Quanto a responsabilização criminal pelo acidente, se os donos da empresa podem ser indiciados, o secretário disse que isso vai ser definido pelos policiais que investigam o assunto no final dos trabalhos. "Há uma responsabilidade clara. O laudo aponta falta de manutenção e alguém, obviamente, era o responsável por essa manutenção", disse Mágino.

Policiais que participam da investigação ouvidos pela Folha já esperaram por esse resultado. Uma série de pontos levavam a essa expectativa, principalmente pelo fato da inexistência de sinais de frenagem na pista. Se a perícia não apontasse falha nos freios, os policiais não teriam outra hipótese para explicar o acidente.

OUTRO LADO

A União do Litoral, empresa que opera a linha, afirmou que as informações divulgadas pelo secretário são preliminares e que o laudo pericial dos componentes mecânicos ainda não foi concluído. A companhia disse não saber os resultados da análise.

Segundo a companhia, as manutenções são programadas de acordo com a quilometragem rodada. "A vida útil e durabilidade das peças que compõe um veículo são determinadas pela empresa que utiliza um sistema de controle para que todas as preventivas ocorram com uma margem de segurança. Entre uma revisão preventiva e outra, também ocorrem conferências e valetamentos objetivando verificar as condições gerais de momento", diz a empresa em nota.

A União do Litoral diz que as vistorias estavam dentro da validade e que o veículo passou por manutenção 15 dias antes do acidente.

Havia 35 pessoas no veículo. Morreram 17 estudantes (confira o perfil das vítimas ) e o motorista, Antonio Carlos da Silva, 37. O veículo fazia uma linha diária entre São Sebastião, onde vivia a maioria dos 18 mortos, e Mogi das Cruzes, local das universidades.

Desde o acidente, o motorista passou a ser alvo de críticas de amigos e familiares de vítimas. Dizem que ele abusava da velocidade nos retornos diários. Os estudantes já haviam feito um abaixo assinado contra motoristas que faziam a linha.

No enterro, a cunhada Edilaine Silva dos Santos disse que a família estava indignada com algumas pessoas que tentam culpá-lo pelo acidente. "Ele era um profissional dedicado e muito responsável. Ser motorista era um sonho, que ele adquiriu com o pai. Ele não colocaria a vida de tantas pessoas em risco", afirmou.

Presente no velório, Luiz Carlos Soares, dono da empresa União do Litoral, lamentou a fatalidade. Segundo ele, o motorista era um funcionário exemplar e nunca recebeu qualquer reclamação sobre ele. "Eu sempre digo que aqueles que fazem as viagens todos os dias para estudar em outras cidades, principalmente Mogi que é o trecho mais distante, quando se formarem, se espremerem o diploma vai cair gotas de sangue, pois é um sacrifício muito grande", comentou.

Uma testemunha disse à Folha que o ônibus com estudantes tentou ultrapassá-lo antes de perder o controle, tombar, deslizar e bater em uma pedra.

A seguir, o que se sabe e o que ainda não se tem certeza sobre o episódio.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

1 - O que se sabe até agora?
Houve uma falha no sistema de freios do ônibus, apontou a perícia, e o veículo estava em alta velocidade, segundo o secretário de Segurança de SP, Mágino Alves. Antes de tombar, o ônibus ultrapassou e atingiu um carro em uma curva do trecho de serra da rodovia Mogi-Bertioga. Momentos antes do acidente, foi visto em velocidade acima da permitida. Cezar Donizetti Vieira, que dirigia o veículo, afirmou que estava a 60 km/h quando foi ultrapassado -no trecho, o limite é de 40 km/h com pista molhada e 60 km/h em pista seca. A documentação do veículo e do motorista estavam em ordem, segundo a empresa União do Litoral.

2 - O que causou o acidente?
A perícia aponta a falha nos freios como a causa mais provável. O condutor do carro atingido pelo ônibus disse à Folha ter sido empurrado para fora da faixa de rolamento, tamanha a velocidade do ônibus, sem ter ouvido barulho de freio mecânico ou a motor. Isso pode sinalizar tanto alguma pane no sistema de freios quanto algum equívoco do condutor.

3 - Qual a velocidade do ônibus no momento do acidente?
Não informação precisa, mas o veículo estava em alta velocidade, segundo o secretário de segurança. O tacógrafo dirá exatamente o que houve. O motorista do carro disse que, alguns quilômetros antes, o ônibus andava a 80 km/h e 90 km/h. A empresa disse que a última velocidade registrada pelo velocímetro foi de 41 km/h, mas essa medição é sujeita a imprecisões.

4 - O que é tacógrafo? O ônibus tinha esse equipamento?
Tacógrafo é uma espécie de caixa-preta do ônibus –um equipamento que registra a velocidade do veículo, a distância que percorreu e quanto tempo ficou em movimento e parado. O aparelho é obrigatório para ônibus acima de 10 lugares, de acordo com resolução do Conselho Nacional de Trânsito de 1998. O ônibus acidentado tinha um tacógrafo digital, já recolhido pela polícia.

5 - O motorista teve responsabilidade no acidente?
Não se sabe. Duas informações ao menos são necessárias para tentar atestar a causa: a perícia no ônibus e os dados do tacógrafo. Passageiros que usavam o transporte disseram que o motorista costumava andar em alta velocidade. Um abaixo-assinado em branco, encontrado entre os pertences das vítimas, também traz queixas sobre um dos condutores da empresa, por realizar manobras ilegais na Mogi-Dutra. Não está claro, porém, se o documento se referia ao motorista do ônibus acidentado. A empresa União do Litoral disse que o profissional não tinha nenhuma queixa em sua ficha funcional.

6 - Quais eram as condições da rodovia no momento?
Não chovia. Havia neblina antes do trecho de serra, mas não na altura do km 84, onde ocorreu o acidente, segundo o motorista do carro atingido.

7 - O trecho onde houve o acidente era perigoso?
Segundo a Polícia Rodoviária, o trecho entre os km 83 e km 89 é considerado "crítico". O acidente ocorreu no km 84, perto do início da descida da serra do Mar. Pelo menos outros quatro ônibus tombaram neste ponto desde 2006, deixando 54 feridos e quatro mortos. O último foi neste ano, mas sem vítimas. O mais grave havia ocorrido em 2006, quando 30 pessoas ficaram feridas e 3 morreram.

8 - Havia cinto de segurança no ônibus?
Sim, e o uso era obrigatório. Alguns sobreviventes disseram ter colocado o cinto só quando perceberam que o ônibus balançava. A empresa disse não ter como fiscalizar se todos os passageiros estavam usando no momento.

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O ACIDENTE

Por volta das 23h30 de quarta (8), ônibus tombou na rodovia Mogi-Bertioga (SP)

1. O ônibus seguia pela Mogi-Bertioga no sentido litoral, em trecho onde só há uma pista (existem duas pistas no sentido Mogi)

2. A neblina havia acabado após uma região da serra conhecida como "tobogã", e a rodovia tinha boa visibilidade

3. Próximo a uma curva à direita, sem acostamento, ele ultrapassou um carro, chegando a encostar no veículo

4. Nessa hora, começou a balançar, indo de um lado para o outro, prestes a virar

5. Tombou, deslizou pela pista e bateu em uma rocha na margem da via, parando de lado em uma vala

Editoria de Arte/Folhapress

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