Folha de S. Paulo


Na perifeira, programa de saúde é exemplo de integração, mas escola sofre

O Programa Saúde da Família é expressão significativa do valor do território na área da saúde. Ao recrutar agentes na própria comunidade, o programa aumenta a capacidade de construir vínculos e ser legitimado pela população local.

Ao mesmo tempo, permite ao Estado identificar o que precisa ser feito na região.

Por meio de visitas domiciliares, o agente comunitário de saúde acompanha 200 famílias no território da Unidade Básica da Saúde e relata à equipe médica informações sobre aqueles usuários.

Joana Firme Guerra, 57, é agente comunitária desde 2002 na região do Jardim do Carmo, na zona leste de São Paulo. Membro de movimentos sociais e da Pastoral da Criança antes de integrar o programa, diz que a confiança dos dois lados é essencial.

"As informações que nós passamos aos profissionais da saúde ajudam nas consultas e na formulação de prioridades de abordagem e atendimento", afirma.

Apesar da vocação universal, o Programa Saúde da Família não abrange a totalidade do território nacional. Em 2013, 53,4% dos domicílios brasileiros estavam cadastrados em uma unidade de saúde da família. No Estado de São Paulo, a cobertura não passava de 39%.

Em São Paulo, as primeiras equipes do programa foram constituídas na zona leste, em parceria com a entidade Santa Marcelina, em 2006. A abrangência do programa se destaca, nas grandes cidades, em regiões periféricas.

Isso explica a dificuldade em recrutar médicos para o programa, afirma a diretora técnica do Hospital Santa Marcelina, irmã Monique Bourget. "Sempre foi difícil. Dizem que São Paulo tem uma quantidade razoável de médicos, mas eles estão concentrados no centro da cidade. Poucos estão dispostos a se deslocar até a periferia."

Segundo ela, a Santa Marcelina chegou a ter disponíveis 50% das vagas de médicos. "Depois da criação do Mais Médicos, melhorou. Hoje temos 63 profissionais, de um total de 180 vagas, contratados pelo programa, a maioria estrangeiros."

O programa, no entanto, também é alvo de críticas. Há estudos, segundo a professora Gabriela Lotta, da Universidade Federal do ABC, que apontam o risco dele promover clientelismo.

A relação entre os agentes comunitários e os usuários poderia ser contaminada pelos laços existentes —o agente se aproveitaria de sua condição de representante do Estado para usar o atendimento em troca de favores.

EDUCAÇÃO
Já na área da educação, a dificuldade é ainda maior. "Além da desigual distribuição de recursos, as escolas dos territórios mais vulneráveis das grandes cidades acabam sendo o único equipamento público da região. Portanto, não podem se dedicar a seu único objetivo, que deveria ser educar", afirma Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação).

Por estarem em territórios com especificidades consideráveis, essas escolas precisariam de políticas específicas, que envolvem uma maior coordenação com outros equipamentos e uma abordagem pedagógica própria.
Batista reconhece, porém, a importância de que as diferentes estratégias não acirrem a desigualdade. "Todos concordamos que, para construir uma escola mais justa, todos devem saber as mesmas coisas, daí a importância de uma base nacional curricular. O problema é fazer com que todos aprendam as mesmas coisas, inclusive os que têm mais dificuldade".

O professor francês Choucri Ben Ayed entende que a escola não pode se inserir de forma unilateral no território, sem considerar as dinâmicas e os atores próprios àquele lugar. A adaptação, porém, deve se restringir à implementação e não extrapolar "para o projeto da escola em si".

Afinal, para Ben Ayed, a palavra adaptação pode ser, em muitos casos, um eufemismo para hierarquização, o que cria diferenciação e dificulta o processo que deveria ser almejado, de "universalização forte".

Para ele, deve haver um um empenho maior do poder público em igualar as condições dessas escolas. E isso, segundo ele, pode passar por maiores esforços na alocação de recursos e qualificação de professores de acordo com as carências dos territórios.


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