Folha de S. Paulo


Historiadora procura raiz negra de Guaianases

Sheila Alice Gomes da Silva é uma espécie de arqueóloga da cultura negra de onde nasceu, cresceu e ainda mora —Guaianases, o último bairro da fronteira leste de São Paulo.

A historiadora de 34 anos decidiu revisitar as raízes em seu projeto de mestrado e pesquisar a presença dos negros ali a partir da cultura e da memória de moradores.

"Em geral, a periferia é sempre estudada por alguém de fora. No caso do meu trabalho, eu também sou sujeito do estudo", diz.

Guaianases está fora da historiografia tradicional, diz ela. Quando citado é sempre à margem ou como excluído. "Meu trabalho vai na contramão dessa visão, no sentido de pensar a periferia por dentro. É sobre nós e por nós."

SOLIDARIEDADE
Depois do Capão Redondo, na zona sul, Guaianases é o bairro mais citado entre os paulistanos como sendo de periferia, segundo pesquisa do Datafolha.

Na mesma sondagem, 79% dos entrevistados associaram a periferia com a afirmação de que "os moradores são mais solidários".

É o que se pode perceber durante uma visita a Guaianases ao lado de Silva.

Percorrendo as ruas da região, ela pede ao comerciante José Celso, 58, para entrar em sua casa e observar o bairro do alto. Como se fosse uma cidade do interior, ele permite a entrada mesmo sem conhecê-la. Da laje dos fundos, foi possível ver um horizonte formado por casas amontoadas, com paredes sem reboco e muitos puxadinhos.

"As construções podem ser imperfeitas, mas abrigam muitas famílias que de outra maneira poderiam estar na rua", afirma Silva.

Na Travessa do Assobiador, Silva visita Penha Maria Lima Severino, 58, personagem de sua dissertação. Ela é considerada uma representante do conceito de micro-áfrica, definido como espaços de resistência memorial dos negros.

Todo último domingo do mês, Penha Severino organiza o Samba na Sombra —um samba sob a copa de uma árvore na rua Benedito Tadeu.

O crescimento do bairro está ligado tanto à chegada de moradores de outros Estados quanto à expulsão de negros e pobres nos processos de modernização do centro de São Paulo.

Antes da pesquisa, Sheila conta que não se reconhecia nas histórias do bairro, já que os protagonistas eram sempre europeus.

Na introdução da dissertação defendida em 2015, escreveu: "Onde estão as memórias do povo preto? Foram apagadas das histórias de um bairro que se quer branco?" Partiu a campo para buscar as histórias das raízes negras de Guaianases —e achou.


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