Folha de S. Paulo


Assistente social diz que já foi barrada de emprego por morar em Itaquera

A percepção da periferia

Há dez anos, a assistente social Rose Bastos, 36, sentiu na pele o estigma carregado por quem mora em Itaquera, na zona leste da capital.

Na ocasião, foi a uma perfumaria no Jardim Anália Franco, bairro nobre também da região leste, para uma entrevista de emprego –ela se candidatava a uma vaga como vendedora.

Assim que falou ao entrevistador onde vivia, porém, foi dispensada.

"O gerente foi muito claro. Disse que eu tinha todos os requisitos necessários para a função, mas que a loja tinha uma política de não contratar moradores de bairros localizados depois de Artur Alvim", afirma Rose.

Artur Alvim fica a aproximadamente 20 km da região central de São Paulo. Itaquera, a cerca de 25 km. E a zona leste se estende até o Itaim Paulista, a 30 km do centro.

Questionado pela candidata sobre o motivo da restrição, o gerente da perfumaria tentou se justificar: disse que um ex-funcionário, morador de um bairro na periferia da zona leste, havia participado de um roubo à perfumaria. "Ele pegou um fato e generalizou. Deduziu que, se um roubou, todos iriam roubar", diz ela.

Segundo Rose, essa não foi a primeira vez que foi vítima de preconceito por causa do bairro onde mora desde que nasceu. A assistente social afirma que a discriminação é recorrente, e algumas vezes velada, escondida atrás de piadinhas.

'ZONA LOST'

A chacota mais ouvida, conta ela, é a referência à região como zona "lost" ("perdida", em inglês). Outra brincadeira marcante para ela foi quando um amigo disse que era necessário fazer um seguro de carro para ir até a casa da assistente social, pois o risco de ser assaltado era grande.

A conotação negativa atribuída à zona leste já fez com que Rose sentisse vergonha de revelar onde mora. Durante uma outra entrevista de emprego e até para um flerte na balada chegou a dizer que vivia em outro bairro.

"O bairro mudou muito na última década. Hoje, você vê casas grandes, pessoas que fizeram faculdade. Tenho amigas doutoras. Apesar disso, ainda há o preconceito de território. O estigma da 'quebrada' ainda não foi rompido", diz, acrescentando que "Itaquera só entrou pro mundo depois que construíram o Itaquerão", em 2014.

Rose diz perceber que a discriminação é uma constante também em outros bairros da zona leste.

Na ONG em que trabalha, em Cidade Tiradentes, a pouco mais de 10 km de casa, Rose atende famílias e crianças vítimas de abuso e maus-tratos. Segundo ela, também é comum ouvir queixas de mulheres sobre a dificuldade de conseguir emprego.

Editoria de Arte/Folhapress

Nesse caso, entra o fator distância na equação. Porém ela acredita que o argumento pode servir para acobertar o preconceito.

"Osasco também é longe, mas não carrega tanto a questão da distância como um problema", diz.

Para Rose, quem discrimina moradores da zona leste está "fora do tempo". "Aqueles que estão em uma posição mais privilegiada na sociedade acreditam que podem humilhar alguém porque mora na periferia. Sou sujeito de direito igual a todos. Acho que é preciso mais empatia".


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