Folha de S. Paulo


França falhou em construir escola sem segregação, diz sociólogo

Os atentados terroristas que ocorreram na França em 2015, que se iniciaram com o ataque à sede do jornal Charlie Hebdo, em janeiro daquele ano, revelam algo que ainda é muito doloroso para os franceses: que o país fracassou na construção de um modelo de integração escolar e de uma cultura comum, sem segregação social e étnica.

A análise é do sociólogo Choukri Ben Ayed, diretor do grupo de estudos sobre sociedades contemporâneas da Universidade de Limoges, na França, que encerrou o seminário internacional Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade, realizado por meio de uma parceria entre a Fundação Tide Setubal e a Folha.

"Depois dos atentados de Paris, os políticos passaram a dizer que existe um apartheid à francesa em termos territorial, social e étnico. Isso corrói o país e foi o gatilho para os ataques terroristas", disse Ayed. Segundo ele, o modelo pensado de sociedade inclusiva esbarrou na falta de sentimento de pertencimento das famílias de imigrantes. "É preciso falar de cidadania e pertencimento. Hoje muitos filhos de imigrantes, mesmo nascidos na França há uma ou duas gerações, não são considerados francesas pela sociedade nem se sentem como tal", explicou o sociólogo.

Mesmo criando leis para punir a discriminação racial, social ou étnica, o país europeu ainda luta para integrar imigrantes e filhos de imigrantes no ambiente escolar. Durante o governo do ex-presidente Nicolas Sarkozy, houve o incentivo à flexibilização da carga escolar, permitindo que as famílias escolhessem a escola dos filhos sem que ela estivesse no próprio bairro –o que, para Ayed, em vez de reduzir a segregação, acabou aumentando. "Muitos franceses tiraram os filhos das escolas de bairros onde havia muitos imigrantes", avalia.

No atual governo de François Hollande, foi promulgada uma lei com o objetivo de refundar a escola pública e aumentar a diversidade. A principal questão hoje na França, segundo o sociólogo, é a sua aplicação. "Não basta fazer uma boa lei para que ela se realize. É preciso rever toda a organização escolar e o papel dos territórios", disse.

Outro ponto que agrava a questão na França é o fato de o país não reconhecer que possui minorias étnicas e religiosas. O fato transparece, por exemplo, na proibição ao uso de véus nas escolas. "A França está cega para as questões étnicas", concluiu Ayed.

A dificuldade francesa de lidar com as complexidades dos territórios de alta vulnerabilidade social, caso da periferia parisiense, não é muito diferente, dadas as devidas proporções, do que ocorre no Brasil, na avaliação de Maria Alice Setubal, socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal. Tal como nos subúrbios franceses, as escolas das periferias das grandes cidades brasileiras são as que têm, via de regra, menos recursos financeiros e professores expostos a jornadas exaustivas.

"As questões de território e das desigualdades sociais nas cidades importam nesse debate", diz ela. Segundo Maria Alice, a escola tem que ser estimulada a ser um espaço de cidadania, para contribuir com a redução das desigualdades e retomada do espaço público pela população.


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