Folha de S. Paulo


'Vivemos o mito da redução das desigualdades', diz economista

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Mesmo com a melhoria dos indicadores sociais nos últimos anos, como a redução da pobreza e da miséria absoluta, não houve progressos na diminuição das desigualdades sociais. Isso fica evidente nas grandes metrópoles como São Paulo, em que ainda se vive um apartheid territorial entre centro e periferia.

Essa é a opinião de Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e um dos participantes do seminário internacional Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade, realizado nesta terça-feira (14) pela Folha em parceria com a Fundação Tide Setúbal.

"Aumentou a renda dos brasileiros, mas não aumentou o acesso a bens coletivos como saúde e educação de qualidade. Vivemos o mito da redução das desigualdades", afirmou Abramovay no evento.

De acordo com o professor, existe um apartheid entre o acesso a serviços de qualidade, pois embora o Brasil tenha chegado muito perto da universalização da saúde e educação, a qualidade não avançou nas mesmas proporções. Há uma abismo entre colégios particulares de elite e as escolas da periferia, assim como na área de saúde.

"Por mais que o SUS (Sistema Único de Saúde) tenha se universalizado, o número de mortes por doenças infecciosas é duas vezes maior em Cidade Tiradentes do que em outras regiões da cidade, por exemplo", disse.

Segundo o economista, esse apartheid se manifesta ainda nos empreendimentos imobiliários de alto padrão, que concentram, além de moradia, serviços, shopping centers e escolas em torres cercadas por seguranças, que acabam reforçando a segregação social. "Olham a cidade do alto dessas torres e pensam: 'que cidade violenta'. Mas é a segregação que alimenta essa violência", afirmou.

Um dos ícones da desigualdade paulistana é o distrito de Vila Andrade, que concentra os bairros do Morumbi e a favela de Paraisópolis e que tem um dos maiores índices de exclusão da cidade, segundo o IEX - Índice de Inclusão Exclusão Social. De acordo com o indicador, a região tem índice -0,4, o que indica alto grau de exclusão social. No lado oposto está o bairro Itaim Bibi, que tem IEX 1, que equivale a uma condição de boa inclusão na cidade.

Via de regra, quanto mais periférico o bairro, maior a chance de ele ter maior índice de exclusão. "Em três décadas, a cidade não reduziu a exclusão. Pelo contrário, as zonas de inclusão social estão cada vez mais concentradas no centro", explicou Aldaíza Sposati, coordenadora do Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais da PUC-SP.

Para o economista Ricardo Sennes, diretor da consultoria Prospectiva, especializada em assuntos internacionais, um dos fatores-chave para reduzir a desigualdade social em grandes metrópoles pós-industriais como São Paulo é descentralizar os pólos econômicos. A ideia é levar às periferias e bairros menos centrais oportunidades de gerar renda por meio de atividades econômicas que gerem valor agregado, criando novos polos de serviços e conhecimento.

"Isso não é levado em conta pelas políticas de fomento econômico, mas essa dimensão econômica local precisa ser incorporada ao planejamento das cidades", diz Sennes. Uma das sugestões seria criar uma espécie de "anel da banda larga", semelhante ao conceito do anel viário, onde empresas e instituições ligadas à geração de conhecimento poderiam se instalar e criar novas frentes de desenvolvimento local.


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