Folha de S. Paulo


Restaurantes de SP têm seca de frutos do mar por causa de contaminação

"Mas como assim não tem 'moules-frites'?", perguntou a empresária Regina Bloff para o garçom da Mercearia do Francês, bistrô em Higienópolis, na sexta, 3 de junho.

O representante da casa muito educadamente explicou que os mariscos com fritas, servidos às sextas-feiras há dez anos, estão em falta por causa de uma contaminação do molusco por toxina no litoral de Santa Catarina. Bloff foi de steak tartare.

Quem for a restaurantes neste Dia dos Namorados à procura de frutos do mar possivelmente ficará desiludido.

Há duas semanas, está proibida a retirada, venda e consumos de mexilhões, vieiras, vôngoles e ostras produzidos em toda costa de Santa Catarina, Estado responsável por cerca de 90% da produção de moluscos do país.

"Estou há 15 dias sem emitir uma nota fiscal, já estou quase ajoelhando para os restaurantes não desistirem de mim", diz Paulo Constantino, da fazenda de frutos do mar catarinense Ostravagante, que abastece alguns dos restaurantes mais finos de SP.

Essas casas, por suas vez, estão diminuindo seus cardápios, ou dando um jeito de adaptá-los ao tempo de ostras magras. "Com certeza a indignação do pessoal foi grande", diz o gerente da Mercearia do Francês, Reinaldo Toito. "Mas o pessoal tem ciência do risco, então acaba aceitando numa boa."

O Amadeus, famoso pelas ostras frescas, limou a iguaria do cardápio há duas semanas, sem planos de substituí-la. "Acho até melhor que eles não tenham colocado uma ostra vagabunda. Seria como ter de fumar um Gabriela em vez de um Habanero", diz o administrador (e habitué da casa) Paulo Sousa, 59, comparando ostras com marcas de charuto.

Na Taberna 747, no Jardim Paulista, a ostra catarinense deu lugar a uma menor, de Cananeia, no litoral paulista. "As pessoas reparam, e nove entre dez pessoas preferem as de Floripa. Então minha venda caiu um pouco. Mas pouco", diz o gerente Kiko Soares.

Houve até quem lucrasse com a situação. A Casa das Ostras, no Mercado Municipal, que também serve ostras paulistas, registrou aumento de vendas desde que os concorrentes se viram obrigados a parar de servir o bicho dentro da concha. "Só não sabemos quanto tempo vai durar", diz.

"As notícias não são tão boas", adianta Airton Spies, secretário-adjunto de Agricultura e da Pesca de Santa Catarina. Técnicos encontraram indícios de que outra maré vermelha, repleta de algas que liberam as toxinas, se aproxima da costa de SC nos próximos dias. O último fenômeno registrado com essa intensidade foi em 2007.

Mas, quando as algas forem embora, os bivalves retornarão ainda melhores, diz o político. "Nenhum molusco vai ser perdido. Sem as algas, as toxinas vão se diluir e os animais voltarão a estar próprios para consumo. E, o melhor, as ostras estarão muito mais gordas e em maior volume, porque esperaram mais tempo."

CAMARÃOZINHO

Fenômeno parecido, ainda que não tão voraz, acontece com camarões. Pescadores paulistas classificaram como "péssima" a safra do ano. "Antes, eu voltava de quatro dias no mar com 500 kg de camarão.

Agora, se volto com 100 kg, já é muito", diz Flavio Dias, que pesca crustáceos na região de Ilhabela (SP). Outro polo camaroneiro tem produção suspensa. A pesca na foz do rio Doce, no Espírito Santo, foi proibida por tempo indeterminado pela Justiça, que constatou risco de contaminação dos animais.

A padaria e restaurante Bologna, na rua Augusta colou nas paredes avisos de que a safra de camarão havia vindo muito menor do que o de costume e oferece duas soluções. Deu desconto em quitutes como o camarão empanado, que custava R$ 16 e foi para R$ 12, ou turbinou as porções -o prato de camarão à provençal, antes com cinco crustáceos, passou a chegar à mesa com sete, menores.

Wagner Ferreira, dono do estabelecimento, afirma não ter ouvido reclamações: "O consumidor aceita, mas só se você for bem honesto e explícito. A gente não pode se esconder dentro da concha."


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