Folha de S. Paulo


Desabrigadas de Paraisópolis, grávidas dormem há 11 dias em chão de escola

Soraia Barbosa, 34, esperava ter o terceiro filho em outro lugar. Cadastrada pela prefeitura para ser removida de uma área de risco, diz ela, temia que o córrego voltasse a subir e levasse sua casa.

No sábado (14), de fato, seu barraco se foi. Grávida de oito meses, no entanto, ela não perdeu tudo para a água. Dessa vez, a culpa foi do fogo. Há 11 dias, a desempregada e cerca de outras 60 pessoas –sete grávidas e 33 crianças entre elas– dormem no chão do ginásio do CEU Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Eles vieram de uma área alagadiça da favela, chamada de Caixa Baixa, como no filme "Cidade de Deus".

Cortado por um córrego, que se transforma em rio com correnteza, de acordo com a chuva, o local foi atingido por um incêndio no sábado (14). As chamas se espalharam por uma área de mil metros quadrados e deixaram 160 famílias desabrigadas.

"Um menino colocou fogo em fios de cobre e acabou queimando a favela toda", diz Soraia, que acha que o rapaz "tomou um corretivo" de alguns moradores antes de ser pego pela Polícia Militar.

Suspeito de provocar o incêndio, Matheus Rodrigues da Silva, 20, foi preso poucas horas depois de o fogo ser controlado pelos Bombeiros. Na primeira noite, seis famílias foram para o CEU. No dia seguinte, já eram 50. Durante a semana, quem tinha casa de parentes ou conhecidos para onde ir, se virou. Colchonetes, cobertores e roupas doadas espalhadas pelo chão –quem não tinha para onde correr, foi ficando.

Ali, tentam se proteger do frio e da situação precária. Dos dois chuveiros, apenas um tem água quente. Montaram então uma "escala de banhos". "Mulher é das 18h às 20h e os homens das 20h às 22h", conta o porteiro desempregado Moacy Lima Feliciano, 28, que divide um colchão de casal com a mulher, grávida de sete meses, e as duas filhas, de três e cinco anos.

Desabrigados de incêndio em Paraisópolis

Assim como Soraia, Moacy esperava sair da Caixa Baixa em breve. Todos por ali dizem que estavam cadastrados pela gestão Haddad (PT) para serem removidos da área em que o córrego Antonico será canalizado. Diferentemente da maior parte de Paraisópolis, o local é repleto de barracos de madeira. "O meu era o 31.338 A. Desde 12 de dezembro de 2014, eles pegaram meu nome", diz Soraia.

Com dores no "pé da barriga" e dificuldades para se levantar, a desempregada diz que não quer "repetir" outras duas mulheres que estavam no CEU e entraram em trabalho de parto sem ter um teto. Além dela, ainda há outras seis grávidas, cinco com mais de sete meses de gestação.

REMOÇÃO

Se tudo ocorrer como planeja a prefeitura, todos devem sair do ginásio nesta quinta-feira (26), afirma o secretário municipal da Habitação, João Sette Whitaker. "Eles têm que receber logo o auxílio-aluguel [de R$ 400] porque além do frio, está difícil de ficarem aqui", diz Rejane, da Associação das Mulheres de Paraisópolis.

Whitaker estima que isso deve ocorrer em até 15 dias após os desabrigados deixarem o CEU. Em um primeiro momento, quem não tiver para onde ir, afirma, receberá da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social a oferta de ir para abrigos.

Desavenças entre as lideranças de moradores atrapalharam as negociações com a comunidade e o número de famílias que perderam suas casas precisa ser checado. Em situações como essa, pessoas que não são da área atingida costumam se apresentar para receber o benefício.

"Quando a subprefeitura foi fazer o levantamento das casas atingidas, algumas lideranças impediram o trabalho", diz Whitaker. "Pedi, inclusive, ajuda da GCM para o trabalho ser concluído."

Sobre os cadastros feitos antes do incêndio, ele explica que a obra de canalização do córrego e a retirada dos moradores não pode ser feita de uma vez. "A área já estava sendo atendida e 64 famílias já haviam sido retiradas e passaram a receber o auxílio."

Enquanto espera por essa ajuda, Moacy vai gastando com a alimentação da mulher e das filhas o pouco que resta do que recebeu após ser demitido. Na segunda (23), o porteiro tinha o suficiente para menos de uma semana.


Endereço da página:

Links no texto: