Folha de S. Paulo


Procuradoria-Geral pede a PF para apurar chacina de maio de 2006 em SP

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de Justiça que a Polícia Federal passe a investigar a chacina do Parque Bristol, bairro do extremo sul de São Paulo, ocorrida em maio de 2006 em meio aos Crimes de Maio.

Três homens em um grupo de cinco amigos foram assassinados no local após serem atingidos por tiros disparados por pessoas encapuzadas —um quarto, baleado naquele dia, seria morto meses depois.

Os assassinatos ocorreram durante onda de violência atribuída à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) contra as forças de segurança do Estado.

A cena do crime, alterada, sugere forma de atuação similar a uma série de outros assassinatos que vinham acontecendo no Estado por parte de grupos de extermínio composto por policiais militares.

A Polícia Civil de São Paulo instaurou inquéritos para apurar os fatos, mas concluiu pela ausência de elementos suficientes de autoria, encaminhando os autos ao Ministério Público do Estado, que pediu o arquivamento do caso. A Justiça acolheu o pedido e alegou não haver informações sobre autoria, motivação ou envolvimento de policiais.

Na avaliação da Procuradoria, a apuração policial do caso foi prematuramente interrompida e deixou de avaliar questões importantes para a elucidação do caso, como informações referentes às armas, munições e veículos utilizados ou a identificação das viaturas e policiais que estavam próximos ao local do crime, sem ouvir nenhum policial.

"A Polícia Civil de São Paulo deixou de realizar diligências imprescindíveis à elucidação da autoria do episódio conhecido como chacina do parque Bristol", afirma o procurador-geral da República.

"O que se constata é que falhas e omissões gravíssimas permearam todo o procedimento investigatório, que não levou em consideração o papel fundamental que a Polícia Militar desempenhou no episódio, muito menos o contexto de represália por parte dos órgãos de segurança pública", afirmou.

"Manter o arquivamento do inquérito, sem a investigação adequada, seria ratificar a atuação institucionalmente violenta de agentes de segurança pública e, consequentemente, referendar grave violação de direitos humanos", completou.

Para a Procuradoria, a violação aos direitos humanos, com a lesão ao dever estatal de uma adequada e eficiente investigação, pode ocasionar a responsabilização do Brasil nas cortes internacionais.

O órgão federal propôs a ação menos de um mês depois de a Folha publicar reportagem que mostra fragilidades na apuração dos crimes de 2006.

A CHACINA DO PARQUE BRISTOL

No especial As Feridas de Maio, a Folha reconstituiu a chacina do Parque Bristol.

Em 14 de maio, um domingo, Dia das Mães, cinco amigos conversavam à noite na rua Jorge Moraes.

No extremo sul da capital paulista, nas franjas de Diadema e de São Bernardo do Campo, o Parque Bristol é uma típica favela da periferia, com casas sem pintura, vielas apertadas e bocas do tráfico de drogas.

"Naquele domingo, minutos antes do crime, passei na rua e mexi com os cinco [amigos], os cumprimentei, mas fui para casa. A noite estava sinistra", conta um vizinho, nascido e criado no bairro e que, em maio de 2006, entregava lanches numa lanchonete da região.

Pouco antes das 23h, um Vectra verde passou perto dos amigos. Na conta de um sobrevivente, o veículo retornou aproximadamente cinco minutos depois.

"Tínhamos acabado de comer esfirra. Uma amiga até falou do perigo de ficar na rua, de bobeira, por causa dos atentados que já aconteciam na zona leste. Aí, do nada, apareceu um Vectra, os homens armados. Achamos que era uma abordagem, até levantamos as mãos, mas começaram os disparos. Ninguém disse uma palavra", relembra em entrevista à Folha L., único sobrevivente daquele ataque.

"Eu me joguei no chão, não tínhamos para onde correr."

Os homens não tiveram reação. O único que tentou fugir por uma viela encontrou um portão trancado. Fábio de Lima Andrade, 24, levou a maior quantidade de tiros. Foram oito só nele. Também morreram no local Edivaldo Barbosa de Andrade, 24, e Israel Alves de Souza, 25. Fernando Elza, 21, baleado naquele domingo, seria assassinado meses depois.

"Eles foram embora porque deve ter acabado a munição. Eu me levantei e fui procurar ajuda. Pararam um carro, foi quando percebi que tinha sido baleado. Comecei a sentir o corpo adormecer, a perder a respiração, porque estava entrando sangue no meu pulmão. Fui para o hospital e apaguei. Só lembro de ter acordado após a cirurgia", recorda L., que sobreviveu aos seis tiros após semanas de internação e operações.

No Parque Bristol, a polícia também não tomou os cuidados necessários para o trabalho da perícia e levou embora parte dos projéteis.

Posteriormente, ao justificar a falta de "preservação" do local do crime, a PM afirmou que a região era de "grande periculosidade". O pai de uma das vítimas apanhou algumas, apresentadas depois à Justiça. Havia munição de grosso calibre, como a.12, de espingarda.

A irmã de uma das vítimas disse ter visto, momentos antes do ataque, um carro idêntico ao do crime circulando nas ruas do bairro ao lado de um veículo da PM, segundo depoimento dela à polícia.

Dois anos e cinco meses depois dos ataques, a Policia Civil concluiu a investigação sem "identificar os autores".

As feridas de maio - PCC


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