Folha de S. Paulo


Morte de PMs cresce em SP e põe novos policiais em alerta

Eduardo Knapp/Folhapress
Roberta Baena, 39, viúva de Marcos Henrique da Silva, capitão da Polícia Militar assassinado em sua casa com 14 tiros
Roberta Baena, 39, viúva de Marcos Henrique da Silva, capitão da PM morto em sua casa com 14 tiros

Um aumento no número de casos de agentes assassinados nos últimos meses tem preocupado a cúpula da Polícia Militar de São Paulo e novos policiais que estão estudando para ir para as ruas.

Dados da Corregedoria da PM, até 11 de abril deste ano, mostram que 27 agentes foram assassinados no Estado. No mesmo período de 2015, foram 20. O número atual já é quase metade dos 64 mortos em todo o ano passado.

O que mais preocupa a corporação, segundo a Folha apurou, são os casos que ocorrem quando o policial está de folga. Só neste ano, 18 PMs foram assassinados nessas circunstâncias –o dobro do mesmo período de 2015.

Na avaliação da PM, os crimes têm uma característica em comum: policiais estão sendo mortos durante assaltos. Quando o bandido descobre que sua vítima é um PM, trata de executá-lo.

Mortes de PMs - Número de vítimas no Estado de São Paulo

Há duas semanas, o cabo Reginaldo Taicoli, que estava de folga, foi assassinado na frente do filho de 15 anos durante um assalto em um posto de gasolina na zona sul.

Era uma manhã de sábado e Taicoli estava indo pescar com o filho. Parou o carro no posto e foi surpreendido enquanto calibrava um pneu. Dois homens armados o revistaram e encontram sua arma. Ele foi executado na frente do garoto, conforme mostrou uma câmera no local.

"O cara não vai atrás do PM para matar. Ele vai roubar, descobre que é um policial e atira. Acho que está virando uma cultura dos criminosos", afirma o major Emerson Massera, 43, porta-voz da PM.

Para Álvaro Gullo, sociólogo da USP e especialista em violência urbana, "a criminalidade estigmatizou o policial". "O criminoso tem na cabeça que o policial vai matar sempre. Então, ele [bandido] precisa atirar também. Às vezes, o criminoso ganha status quando mata policial", diz.

Reprodução/TV Globo
Tentativa de assalto que resultou na morte de policial militar na zona sul de SP
Tentativa de assalto em posto de gasolina terminou com a morte do cabo da PM Reginaldo Taicoli

BICO OFICIAL

Desde 2012, quando houve uma guerra não declarada entre policiais e a facção criminosa PCC, o número de mortes de PMs vinha caindo. Naquele ano, 109 policiais foram assassinados.

Historicamente, os policiais que morriam durante as folgas eram atacados enquanto faziam bicos. Sem armas apropriadas, rádio e apoio, viravam alvos fáceis em serviços perigosos, como escolta de dinheiro e segurança particular.

Nos últimos anos, governo do Estado e Prefeitura de São Paulo criaram programas que remuneram militares por serviços fora do expediente. A polícia avalia que o chamado "bico oficial" ajudou a diminuir assassinatos de agentes.

Agora, o tema está sendo tratado até na academia que forma sargentos e oficiais.

"Quem está entrando na PM está preocupado. Nós orientamos atenção 24 horas. Não é recomendado que o policial se exponha e mostre a farda no bairro em que mora", diz o major Massera, que também dá aulas na academia.

"Os policiais geralmente moram longe, às vezes em bairros perigosos. Precisam fazer longos trajetos para chegar ao trabalho. Neste período, ele fica mais vulnerável", afirma o sociólogo Gullo.

Em agosto de 2015, 23 pessoas foram mortas por grupos de extermínio em Osasco e Barueri, na Grande SP. PMs foram presos sob suspeita de terem cometido os crimes como vingança depois que um colega e um guarda civil foram assassinados. Quatro foram indiciados pela própria PM.

Para Massera, a Corregedoria tenta evitar que esses justiçamentos ocorram. "Trabalhamos para solucionar os assassinatos o mais rápido possível. É uma resposta para que o policial evite fazer justiça com as próprias mãos. Um crime não dá direito à polícia de cometer outros crimes".

'SÓ MORREU PORQUE ERA POLICIAL'

O domingo era para terminar em festa: um churrasco reunia a família e amigos. Na casa de dois andares, 25 pessoas se divertiam. Dez crianças brincavam no piso de cima. Mas aquele domingo ensolarado de fevereiro deste ano terminou em tragédia.

Marcos Henrique da Silva, 46, nunca levava sua farda da Polícia Militar para casa, na zona leste de São Paulo. Tinha receio de expor sua profissão. Naquele fim de semana, porém, precisava lavar algumas camisetas que usava na Rota –tropa de elite da PM onde ele havia ingressado um mês antes como capitão.

As camisetas (e sua arma) ficaram no andar de cima, numa cama. "Ele não gostava que ninguém soubesse que ele era PM. Ninguém no bairro sabia", afirma Roberta Baena, 39, empresária e mulher do capitão Marcos.

Por volta das 21h, quatro homens armados entraram na casa enquanto a família terminava o churrasco. Queriam roubar. Um dos bandido subiu ao segundo andar e encontrou as camisetas de Marcos. "O ladrão gritou: 'é polícia, é polícia'".

O capitão Marcos, que fazia trabalhos internos na PM, foi alvejado com 14 tiros –dois na cabeça. Sobreviveu por mais 19 dias e acabou morrendo no hospital. Os quatro bandidos fugiram –dois acabaram presos depois.

"Meu marido só morreu porque era policial. Ele amava a polícia, era a vida dele. Morreu protegendo a família", diz Roberta, chorando.

Casos como o de Marcos, morto durante a folga, têm preocupado a cúpula da Polícia Militar de São Paulo. Até 11 de abril, 18 mortes ocorreram nessas circunstâncias, o dobro do mesmo período do ano passado.

Danilo Verpa/Folhapress
Retrato da ex-policial major Gladys Barros, 50, que teve o marido, também PM, morto em um assalto
Retrato da ex-policial major Gladys Barros, 50, que teve o marido, também PM, morto em um assalto

NA MIRA

História parecida ocorreu com a major Gladys Barros, 42, e seu marido, o capitão Luiz Telmo Pessoa, 42. Os dois saíam de casa quando três homens anunciaram o assalto. Queriam o carro.

A major Gladys estava armada e conseguiu retirar o revolver de um dos bandidos, anunciando que o casal era policial militar. Houve luta corporal entre eles.

Enquanto seu marido lutava com o outro assaltante, ela teve oportunidade de atirar. "Não atirei porque ele [bandido] estava de costas. Eu não sou uma assassina. Como policial, sempre vou agir dentro da legalidade", conta.

O ladrão conseguiu se desvencilhar e atirou duas vezes em Luiz, que morreu em seguida. "Ele morreu na frente dos nossos filhos", diz Gladys. Depois do crime, ela pediu aposentadoria da PM.

O casal também tomava precauções para evitar que vizinhos soubessem que eram policiais. Não saiam de casa fardados de jeito algum e não colocavam a farda no varal, segundo a major.


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