Folha de S. Paulo


Pai busca punição para morte do filho por 20 anos, mas caso é arquivado

Ao longo dos últimos oito anos, em todo 15 de abril, José Luiz Faria da Silva, 55, vira a noite acampado na porta do Ministério Público do Rio, no centro da cidade.

Ele posiciona um colchonete na calçada da Procuradoria, ao lado de fotos e de uma estátua feita com isopor que reproduz a imagem de seu filho, Maicon, morto aos dois anos de idade na favela de Acari, zona norte do Rio.

A criança brincava na porta de casa quando houve um confronto entre policiais militares e traficantes da região. Moradores relatam que o tiro que matou o menino partiu da arma de um PM. Nesta sexta-feira (15), Zé Luiz, como é conhecido, fez seu último protesto em busca de punição. O caso prescreveu ao completar 20 anos.

"Eu já não tenho esperança de que alguém responda pela morte do meu filho", diz.

Nenhum policial foi punido. Pelo contrário. Oito dias depois da operação, 20 PMs que participaram da ação ganharam uma gratificação do Estado do Rio pela "coragem, destemor, abnegação e alto preparo técnico profissional", segundo decreto publicado pela Assembleia Legislativa. Era a chamada "gratificação faroeste", que premiava "atos de bravura".

Zé Luiz lutou nas últimas duas décadas para que o soldado, identificado como Pedro Dimitri Amaral, fosse acusado de homicídio. Amaral foi um dos que receberam a gratificação, criada no governo de Marcelo Alencar, na época no PSDB.

A versão do boletim de ocorrência sustenta que policiais patrulhavam a região quando foram surpreendidos por bandidos, que atiraram, o que deu início a um confronto. A criança teria sido atingida por uma bala perdida.

Moradores afirmam que, na perseguição ao bandido, um policial teria posicionado sua metralhadora em um beco e disparado sem olhar que um grupo de cinco crianças brincava no local. Maicon morreu na hora. Um segundo menino foi atingido na boca, mas sobreviveu.

O caso chegou a ser investigado, mas o inquérito não virou processo. Em 1999, Zé Luiz entrou na Justiça e ganhou uma ação de indenização na esfera cível contra o Estado do Rio.

Os autos do processo, vencido em segunda instância, registram que, em depoimento, o policial admitiu que "usava uma metralhadora e um revolver 38, não sabendo quantos tiros deu".

Em seu voto, os desembargadores da 6ª Câmara Cível do Rio registram que o policial tomou a atitude "sem qualquer preocupação para com o local e as pessoas que ali pudessem se encontrar". Segundo a decisão, a ação "é por si só sintoma de sua responsabilidade".

É nessa declaração que Zé Luiz se agarra ao afirmar que houve pouco interesse do Ministério Público para apresentar a denúncia criminal.

Nos últimos 20 anos, ele peregrinou em busca de provas. Sempre que encontrava algo, remetia ao Ministério Público do Rio. Seu casamento acabou e seu filho mais velho deixou o país para morar em Portugal.

"Nos últimos 20 anos minha vida foi totalmente dedicada a fazer justiça pelo Maicon, mas ninguém foi responsabilizado. Eu culpo o Ministério Público, que tinha todas as evidências e nunca fez nada. É por isso que, na favela, o policial, também pobre, mata o povo pobre. Nunca vai mudar", disse.

Com o suporte das ONGs Projeto Legal, Justiça Global e Anistia Internacional, um processo foi aberto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, organismo da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Em 2014 houve admissibilidade do caso, que é quando a comissão considera que o devido processo legal não foi respeitado e que cabe o julgamento em organismo internacional. Nesse caso, o acusado é o Estado do Rio. O processo, neste momento, está em fase de instrução.

Procurado, o Ministério Público do Rio disse, em nota, que Zé Luiz foi recebido por representantes da Procuradoria e teria recebido "orientações sobre medidas que ainda podem ser tomadas no âmbito judicial". A reportagem não localizou o policial Pedro Dimitri Amaral.


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