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SP é lenta em renovar patrimônio, diz francês dono de ex-hospital Matarazzo

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Croqui revela como ficara predio a ser construido no local da antiga Maternidade Matarazzo Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Croqui revela como ficará prédio a ser construído no local da antiga Maternidade Matarazzo

"São Paulo é a metrópole mais atrasada que conheço em renovar seu patrimônio histórico. Só Mumbai [Índia] deve ser pior. Não há prazos ou incentivos para que se queira investir nos prédios mais antigos. Há diversos vazios que ninguém quer".

O empresário francês Alexandre Allard, 47, fez o desabafo minutos antes de lançar a pedra fundamental da torre de 22 andares que surgirá em seu complexo Cidade Matarazzo, no velho hospital Umberto Primo, conhecido como Matarazzo, a uma quadra da avenida Paulista.

Foram quase oito anos de negociações –as aprovações dos conselhos estadual e municipal de preservação saíram no início deste ano. Allard comprou o imóvel de 27 mil m² em 2010 por R$ 117 milhões e pretende investir R$ 1 bilhão no hotel e centro de compras –as lojas serão instaladas nas antigas construções que abrigavam o hospital e a maternidade.

O hospital, com prédios construídos entre 1904 e 1944, estava desativado desde 1993. Allard contratou seu conterrâneo Jean Nouvel, 70, Nobel da Arquitetura em 2008, para desenhar a torre, que deve ficar pronta em 2018. "O último prédio de qualidade na região foi o Masp, inaugurado em 1968", provoca.

Allard explica que só encontrou "gente preparada, boa, que gostava do projeto e queria ajudar", mas diz que a imprevisibilidade jurídica e o retorno financeiro desencorajam projetos como o dele. "Você compra um imóvel, mas não tem a menor ideia quando vai começar a construir. Estou pagando IPTU há cinco anos desse prédio tombado. Se você compra um terreno vazio, pode começar a obra já", disse à Folha. "Desde que comecei a negociar, já passei por quatro presidentes diferentes do Condephaat."

Ele diz que, em Paris, onde reformou o hotel Royal Monceau, aberto nos anos 1930, a prefeitura tem um prazo de três meses para analisar o início de uma construção, com dois meses extras "se o prédio tiver valor histórico". "Nem precisava de incentivo fiscal ou dinheiro, se o empreendedor tivesse um prazo limite já ajudava muito".

Em 2014, o Cidade Matarazzo abrigou uma exposição com cerca de cem artistas.

Uma lei que permitiria a venda das "frações aéreas" do potencial de verticalização do prédio acabou sendo cancelada (regra que permite ao incorporador verticalizar em outro terreno, não tombado).

"Se aquela mansão Matarazzo, na avenida Paulista, não tivesse desaparecido em uma noite, os proprietários não poderiam ter aproveitado aquele terreno [onde fica hoje o shopping Cidade São Paulo]", compara. "Uma maneira de preservar é permitir que esse potencial de se verticalizar naquele terreno protegido seja deslocado para outro lugar", afirma.

O arquiteto Nouvel, que esteve presente no evento, disse que o prédio não era mais um caixotão, "como eu vi centenas, sobrevoando São Paulo hoje". "Paris também fez diversos prédios feios nos anos 60 e 70. Há muito trabalho aqui para os arquitetos mudarem isso".

Allard diz não se assustar com a mudança brusca no cenário econômico no Brasil –quando anunciou a compra, o PIB brasileiro crescia 7,5% em um ano, enquanto no ano passado caiu quase 4%. "Crises vêm e vão, e acho que a tribo de gente esperta vai perceber que este é um projeto inteligente. É como uma volta à São Paulo dos anos 50, quando a arquitetura aqui tinha mais utopia, coragem e criatividade".

Ele diz confiar no fim do ciclo da recessão brasileira. "Há 7 bilhões de pessoas no planeta que confiam no Brasil e 200 milhões que parecem não acreditar. Vocês são pacíficos. Na França, o Congresso já teria sido incendiado algumas vezes."


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