Folha de S. Paulo


Alunos passam fome no 2º dia sem merenda em escolas municipais de SP

No segundo dia sem merenda nas 103 escolas municipais administradas pela gestão Fernando Haddad (PT), nos bairros do Tremembé e do Jaçanã (zona norte), muitos estudantes ficaram com fome. Nas unidades em que as aulas foram mantidas, as direções pediram que os alunos levassem lanche, mas nem todos conseguiram.

O pequeno Leandro Vieira, 7 anos, aluno da segundo ano na Emef Nilce Cruz Figueiredo, passou os dois últimos dias, das 13h25 às 18h20, com fome na escola. A avó, a aposentada Elza dos Santos Barbosa, 50 anos, disse que não tinha nada em casa. "Dei um almoço mais reforçado porque não tinha o que trazer", disse ela.

Segundo a prefeitura, a responsável pela merenda, a Prol Alimentação Ltda., rompeu o contrato no dia 1º. A reportagem procurou a empresa, sem obter resposta.

A repositora Adriana Morais, 34 anos, tem três filhos matriculados na Emef Nilce Cruz Figueiredo. "A menina levou sanduíche, pois tinha educação física, e os meninos, salgadinhos. É triste porque só com isso eu sei que eles vão sentir fome", disse. Filha da repositora, a estudante do 9º ano Laiana Morais, 13 anos, disse que os alunos têm se ajudado. "A gente dividiu o lanche com os amigos que não trouxeram nada para comer."

SEM CONDIÇÕES

Mãe de dois alunos da Emef Professora Esmeralda Ramos, Cristina Aparecida Souza, 27 anos, preparou um sanduíche de presunto para o filho Kewer Eldon, 11 anos, que estuda das 7h às 12h. Para o mais novo, que estuda à tarde, reforçou o almoço em casa e mandou bolachas. "Não tenho condições financeiras de fazer isso todo dia."

A nutricionista Camila Leonel, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que as crianças devem se alimentar a cada três horas. "Ela estão em desenvolvimento, precisam de nutrição e fonte de energia. Se formos pensar que nem todas têm uma alimentação adequada em casa também, a situação é muito delicada", disse, sobre a falta de merenda.

Segundo Camila, salgadinhos como os que muitos levaram para a escola podem comprometer a saúde da criança. "Ele não tem os nutrientes necessários e pode levar à obesidade", diz.

Aluno do 3º ano da Emef Nilce Cruz Figueiredo, Ruan Santos, 8 anos, chegou da Bahia com os pais há um mês. Anteontem foi seu primeiro dia de aula e ficou sem comida por cinco horas. "Foi ruim ficar com fome", disse. A mãe, Joseane Santos, 23 anos, não sabia da falta de merenda. "Se eu soubesse teria feito um lanchinho".

MULTA

A Secretaria Municipal da Educação afirmou em nota que multou a empresa em 20% do valor do contrato de R$ 2,9 milhões mensais e estuda processá-la pelos prejuízos causados. A pasta afirma que o atendimento aos alunos estará normalizado na próxima segunda-feira.

Sobre os questionamentos do TCM, a secretaria disse ter publicado hoje no "Diário Oficial da Cidade" a revogação do pregão que seleciona empresas fornecedores de merenda para 50,5% da rede escolar. A pasta afirma que após a suspensão da licitação, renovou o contrato com a Prol pelo prazo necessário para fazer nova concorrência. "Os efeitos dessa renovação, como de praxe, ficaram condicionados à apresentação de certidões negativas de quitação de impostos", disse. Como a Prol estava inadimplente e não conseguiu fazer a apresentação, não recebeu da prefeitura. "Diante desta situação, decidiu romper unilateralmente o contrato prorrogado", afirmou. Procurada, a empresa não deu resposta.

O TCM (Tribunal de Contas do Município) pediu ontem esclarecimentos à prefeitura sobre o contrato com a Prol Alimentação. Segundo o conselheiro Maurício Faria, a empresa participou de uma licitação em outubro do ano passado para fornecimento de merenda escolar para a região Tremembé/Jaçanã nos próximos cinco anos.

O conselheiro diz que a Prol ganhou a licitação em fevereiro deste ano, mas o processo foi suspenso pelo TCM por irregularidades e indícios de cartel. "O que nós queremos saber é como a Prol participava da licitação se ela mostra uma série de inconsistências empresariais, inclusive não apresentar os comprovantes de regularidade fiscal e tributária".

Faria diz que esses problemas deveriam ser percebidos quando a Prol Alimentação participou da licitação e foi habilitada pela prefeitura, "mesmo que o processo esteja suspenso".


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