Folha de S. Paulo


Thayane Tavares Monteiro, 18

'Fui andando para a escola e voltei de cadeira de rodas', diz vítima de massacre de Realengo

RESUMO Thayane Tavares Monteiro, 18, perdeu o movimento das pernas após ser baleada durante o massacre da escola Tasso da Silveira, em 7 de abril de 2011, no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio. Desde então, passou a viver uma nova vida. Para enfrentar o trauma, passou a praticar canoagem, está estudando direito e quer ser mãe. Cinco anos após o massacre, ela ainda faz tratamento e luta para voltar a andar. Doze alunos morreram no massacre; o atirador se suicidou em seguida.

Roberto Price - 4.abr.2012/Folhapress
Thayane Tavares Monteiro em imagem de 2012; hoje com 18 anos, ela foi baleada em escola de Realengo
Thayane Monteiro, que foi baleada em escola em Realengo, zona oeste do Rio

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Naquele dia, acordei e não queria ir para a escola. Minha mãe, como todas as outras, me obrigou a ir. Tentei ficar enrolando na cama, mas não teve jeito. Ela disse que não adiantava ficar me atrasando, que iria mesmo atrasada.

Então me arrumei e fui. Lembro de todos os detalhes que aconteceram no dia da tragédia. Aquele dia eu não queria ir para a escola.

Cheguei na Tasso da Silveira no primeiro tempo, tive aula de educação física e subi para o segundo andar. Lá começamos a ouvir diversos barulhos, até pensamos que fosse bomba ou fogos de artifício. Até que foi todo mundo para o corredor e, pela janela de vidro da porta, vimos aquela cena dele com as duas armas, disparando em todo mundo.

Minha primeira reação foi correr, mas minha professora me segurou e falou para ficar na sala. Não consegui, lembrei que minha irmã também estudava lá, na hora pensei que poderia morrer, mas não deixaria nada ocorrer com ela.

Foi quando ele veio em nossa direção. Tentei me esconder debaixo da mesa, mas foi o tempo de ele entrar na sala. Nessa hora, não conseguia pensar no que iria acontecer. Ele veio, atirou em direção a minha cabeça, mas consegui me proteger com o braço. Lembro que depois ele chutou o meu pé, caí e ele falou que iria morrer porque era muito bonitinha.

Levei dois tiros na barriga e um na cintura. Perdi o movimento das pernas na hora. Vi ele atirando logo depois nas minhas duas melhores amigas. Só pensava nos meus pais e nos meus irmãos. Nessa hora fiquei com medo e achei que iria morrer. Não morri, mas minha vida mudou completamente.

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MINHA VIDA

Não consigo imaginar como seria minha vida se aquele dia não tivesse ocorrido. Tudo mudou naquele instante. Minha vida mudou. Fiquei no hospital por muito tempo. Quando voltei para casa, me senti péssima. Me sentia limitada.

Antes, subia a escada, pulava e fazia diversas coisas. Agora, tinha uma outra vida, um outro olhar e novas limitações. Passei a ver a vida de outra forma. Hoje existem obstáculos no meu caminho. Passei a entender como os cadeirantes se sentiam. E como se sentem sendo cidadãos sem valor. Ninguém respeita os nossos direitos.

Depois do período de adaptação, quis vencer outro desafio gigante. Difícil, mas necessário. Voltei à Tasso da Silveira e concluí o ensino fundamental. Precisava acabar com aquilo e vencer o que vivi lá. Cada barulho, som ou até fogos me deixavam apavorada. Mas fui, venci o que me torturava e me formei.

A tragédia me tirou pessoas e me deu outras. Alunos que não conhecia e outros –que até não eram tão legais– acabaram se tornando novos irmãos. Sempre falo com a Brenda e Alan [sobreviventes do massacre]. Eles se tornaram minha família.

Fico triste pela falta de apoio. Com o passar do tempo, tudo vai caindo no esquecimento. Mas nós iremos sempre lutar. Falta apoio psicológico e apoio para muitas pessoas. Alguns não chegaram a ser baleados, mas passaram por um trauma que nunca será esquecido.

Massacre de Realengo

NÃO SUPEREI

Dizer que superei tudo é mentir. Ainda lembro como se tivesse ocorrido ontem, mesmo fazendo cinco anos. Tenho uma cadeira de rodas para me lembrar todos os dias de tudo que aconteceu. Fui andando para escola e voltei em uma cadeira de rodas.

Não quero me fazer de vítima, pelo contrário. Não é uma cadeira de rodas que vai me parar. Tenho muita vida pela frente. Faço canoagem há uns quatro anos, sou dona de casa e estou até mesmo morando sozinha.

Decidi que quero dedicar minha vida para lutar contra as injustiças. Estou estudando direito e quero ser juíza ou delegada. Vou ter minha família, meu casal de filhos e, contrariando todos os médicos, ainda acredito que voltarei a andar um dia. Me dedico ao tratamento e sei que pode dar resultado.

Tenho certeza de que ainda posso vencer mais essa batalha. Já venci muitas outras.


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