Folha de S. Paulo


Secretário nega relação entre queda de homicídios e alta de mortes suspeitas

O secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, negou nesta quarta-feira (23) haver relação entre a queda nos homicídios dolosos (com intenção) e o crescimento das mortes suspeitas.

Em 5 de março, a Folha revelou que a polícia paulista registrou 60.049 mortes suspeitas entre 2012 e 2015.

Esses registros, que não fazem parte das estatísticas divulgadas todos os meses pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB), vêm crescendo ano a ano, na contramão dos casos de homicídio –que acumulam quedas nos balanços usados como bandeira do governo na área da segurança pública.

Os casos de mortes suspeitas cresceram 51% entre 2012 a 2015, segundo dados repassados pelo próprio governo, enquanto a queda de homicídios dolosos foi de 22% no mesmo período.

"Não há nenhuma correlação entre isso", disse Moraes, durante apresentação de parte das estatísticas de violência relativas a fevereiro. "Os dados estão absolutamente abertos para isso. Basta saber analisar os dados."

Moraes acrescentou que associar uma coisa a outra "talvez" se dê pela classificação usada pela Secretaria da Segurança Pública, "mortes suspeitas", dada em 2005. "Morte suspeita parece que há uma dúvida se foi homicídio, se foi latrocínio.. Morte suspeita é a classificação quando não é homicídio e não é latrocínio."

Morte suspeita, na verdade, é uma denominação adotada pelo governo paulista para dizer que há uma dúvida sobre a causa de uma morte –por exemplo, se houve um homicídio ou suicídio. O caso não entra em nenhum dos indicadores criminais divulgados e fica em uma espécie de limbo contábil.

A secretaria disse à Folha por ocasião da reportagem de 4 de março que usa "morte suspeita" para uma série de ocorrências de morte que não configuram "de imediato crimes de homicídio, latrocínio ou lesão corporal seguida de morte".

TENDÊNCIA OPOSTA

Para especialistas, a tendência oposta entre o número de casos de mortes suspeitas e os de homicídio coloca em dúvida os dados oficiais.

"Quando há comportamentos divergentes de números que aparentemente estão relacionados, é preciso auditar e radicalizar a transparência", diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Moraes respondia a perguntas de jornalistas sobre o tema. Chegou a negar ter havido aumento de mortes suspeitas, embora os dados usados pela Folha publicados na reportagem de 4 de março tenham sido fornecidos pelo próprio governo.

"Em 2015 não ocorreu. Se você tem esse dado é um dado absolutamente errado", disse. "Talvez é um dado que talvez você não soube ler", completou o secretário.

Joel Silva - 14.ago.2015/Folhapress
Secretário de segurança Alexandre de Moraes, durante entrevista em agosto
Secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, durante entrevista no ano passado

REDUÇÃO

O governo de São Paulo anunciou redução de 7,53% nos homicídios dolosos (intencionais) na capital em fevereiro.

Moraes divulgou dados só da capital. O secretário vem adotando, desde o início da sua gestão, fatiar a divulgação de dados –feita antes de uma só vez e completa– de modo a antecipar alguns números positivos.

Foram 93 homicídios em fevereiro de 2015 contra 86 no mesmo período deste ano. Com isso, segundo os dados oficiais, a cidade de São Paulo atinge, segundo a metodologia adotada, a menor taxa de assassinatos para grupo de 100 mil habitantes: 8,12. A anterior era de 8,5.

Em 2001, essa taxa era de 49,16 e, desde então, só vem caindo. A exceção foi 2012 –o que causou a queda do então secretário Antônio Ferreira Pinto. "Este é o resultado de um trabalho contínuo", disse o secretário.

Em fevereiro, a Folha mostrou que a metodologia usada pelo governo paulista para calcular a taxa de homicídios do Estado não segue padrões usados por outros Estados do país e, tampouco, os recomendados por organismos internacionais.

Por outro lado, a capital teve aumento em três indicadores de crimes patrimoniais, segundo a secretaria: roubos e furtos de veículos e em geral –1,85%, 0,97% e 21%, respectivamente.

DESVIO ESTATÍSTICO - Número de "mortes suspeitas" no Estado de SP é quase quatro vezes maior que o de homicídios

NOTA OFICIAL

A Secretaria de Segurança Pública enviou à Folha nota contestando a reportagem. Leia abaixo a íntegra:

Novamente, reportagem publicada nesta quarta-feira ( 23) pela FSP erra ao confundir "mortes violentas" sem intenção criminosa com "homicídios dolosos".

Conforme explicado anteriormente, no Estado de São Paulo a classificação "morte suspeita", segundo a Portaria DGP 14/2005, abrange uma série de ocorrências de óbito, incluindo mortes decorrentes de acidente de trânsito, doenças, quedas acidentais, dúvidas sobre suicídio e aborto e também mortes naturais, que são registradas a pedido dos médicos do SVO (Serviço de Verificação de Óbito) ou familiares por questões securitárias. Ao analisar caso a caso, é facilmente verificado que poucas ocorrências permanecem sem a devida reclassificação.

Todos os registros de ocorrências apontados pelos jornalistas da FSP como ausentes das estatísticas, em reportagem divulgada no dia 05 de março,foram analisados e, assim, demonstrado que 05 casos haviam sido registrados em Boletins de Ocorrência iniciais como "tentativa de homicídio", que evoluíram para "homicídio"; 01 caso caracterizou "suicídio", 02 casos haviam sido classificados em Boletins de Ocorrência iniciais como "roubo", e, posteriormente, com as mortes das vítimas (registradas em outros Boletins de Ocorrência), um foi reclassificado como Latrocínio e o outro como "roubo e morte decorrente de intervenção policial". Somente um único caso permaneceu como "morte suspeita", pois constatou-se pelo laudo se tratar de "morte natural" por AVC.

Todas as informações solicitadas pela FSP foram fornecidas pela SSP, com base nos princípios da publicidade e transparência, não havendo sigilo em relação ao acesso de boletins de ocorrências, nem tampouco em relação aos dados objetivos constantes nas listas de mortes violentas do IML.

Marco Nascimento
Diretor Executivo de Comunicação e Imprensa da SSP


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