Folha de S. Paulo


Cidades mais afetadas por chuvas na Grande SP têm boom de habitantes

Numa ladeira do Parque Náutico, próximo à rodovia Fernão Dias, em Mairiporã (Grande São Paulo), casas precárias coladas umas às outras são um emblema da ocupação desenfreada que levou a população da cidade a mais do que dobrar de tamanho em duas décadas e meia.

Foi lá na rua Primavera que, em meio à chuva forte e ao solo encharcado, parte das construções veio abaixo com a terra, matando dez pessoas de duas famílias –de um total de 25 mortos no Estado entre quinta (10) e sexta (11).

Essa expansão populacional vem atingindo especialmente os municípios que beiram a divisa com a zona norte da capital paulista, região da serra da Cantareira, conforme levantamento da Folha com base em dados da Fundação Seade e do IBGE.

Urbanistas apontam essa região, menos explorada que a sul e a leste, como um dos principais alvos da mais recente "urbanização selvagem" em São Paulo. E a ocupação ocorre em solo inadequado para moradia, abrindo margem para tragédias como a da semana passada.

Em 1991, Mairiporã tinha 39.719 habitantes. Estimativas de 2015 apontam para 90.103 –aumento de 127%. Além dela, as vizinhas Caieiras, Francisco Morato e Franco da Rocha foram as maiores vítimas do temporal –e também tiveram explosão de habitantes acima da média do Estado (em torno de 41%) nas últimas décadas.

Crescimento das cidades

O crescimento proporcional de Mairiporã é superado apenas por Caieiras (141%) e Santana do Parnaíba (237%). O urbanista Kazuo Nakano diz que, a partir do final dos anos 1980, a expansão populacional pode ser desenhada como um arco do sul em direção ao norte. "Começou na região de Itapecerica da Serra e Embu e veio subindo em direção à região de Caieiras, Cajamar e Mairiporã", disse.

Esse mesmo crescimento é visto na zona norte da capital. O distrito de Anhanguera, próximo a Caieiras, Franco da Rocha e Mairiporã, registrou aumento de 430% em duas décadas –recorde na cidade, onde a população subiu 21% de 1991 a 2015.

Como acontecem os deslizamentos

A área que concentrou as mortes em Mairiporã é motivo de uma pendência judicial que se arrasta desde 1994, quando houve um avanço das invasões. Naquele ano, a dona da área, Maria das Graças Magalhães Alluani, pediu a reintegração de posse.

Em 2011, a Justiça decidiu favoravelmente à proprietária. Depois, a reintegração foi suspensa em instâncias superiores. Um novo acórdão do TJ manteve a reintegração de posse –que não tem, porém, data para ocorrer.

O processo, que segue em fase de recursos, mostra que já haviam sido feitos vários alertas devido ao risco de deslizamentos na área, cuja ocupação em massa ocorreu no período em que a Fernão Dias começou a ser duplicada.

Em entrevista à Folha, Alluani disse que a área de 222 mil m² foi obtido por seu pai há cerca de 40 anos. "Essas invasões foram incentivadas por políticos no passado. É um risco absurdo construir naquela área. As pessoas têm que se conscientizar que precisam sair", afirmou.

Chuva em SP

REMOÇÃO DE ALERTAS

A prefeitura de Mairiporã diz que tenta impedir novas invasões na região da tragédia colocando placas proibindo a venda de lotes, mas que elas são removidas com frequência por moradores que negociam terrenos ali.
Segundo a administração, o núcleo habitacional no morro surgiu em 1994, com poucas casas. "Mas tomou rapidamente uma grande proporção", diz nota enviada à Folha.

De acordo com a prefeitura, desde 2013 há diálogos com os governos estadual e federal para que os moradores de áreas de risco de Mairiporã sejam contemplados pelo programa Minha Casa, Minha Vida. O déficit habitacional é de 9.000 moradias.

A administração diz que busca fazer a regularização fundiária de bairros irregulares da cidade, mas somente em áreas que não são consideradas de risco. Outra dificuldade para resolver a questão habitacional é que 83% do município está em região de preservação de mananciais.

Além disso, diz a gestão, houve demora nos repasses de verbas federais e estaduais por causa da crise financeira do país. Mesmo assim, "as obras do programa Minha Casa, Minha Vida estão em andamento dentro do cronograma".

A secretaria estadual da Habitação afirma que não houve atraso nos repasses a Mairiporã nem a outras cidades atingidas pela chuva. Diz, também, que pagará R$ 400 de auxílio-aluguel aos desabrigados.


Endereço da página:

Links no texto: