Folha de S. Paulo


Fiquei debaixo da terra por 3h, diz sobrevivente de tragédia na Grande SP

Deitado na cama da casa da mãe, com cortes que deixaram 18 pontos na cabeça, "ralados pelo corpo e um buraco no pé", Jeferson Donizeti Freitas Silva, 38, olhava assustado pela janela a vista de um enorme barranco que lembrava seu drama de horas antes no bairro Parque Náutico, em Mairiporã (Grande SP).

"Fiquei embaixo daquele barro todo por três horas. Agora, só quero ter notícias da família para que esse pesadelo acabe logo", disse à Folha Jeferson, entregador de gás que se mudou há apenas dois meses para um dos três andares do sobrado devastado pelo deslizamento de terra às 21h da noite de quinta (10).

Após passar a madrugada no hospital, continuava até a noite desta sexta (11) à espera de notícias sobre a mulher Fabiana, 28, e as filhas Ana Luiza, 7, e Ana Laura, 11 meses. O filho mais velho, Alisson, 8, foi resgatado ileso. Havia saído do quarto onde estavam as irmãs para a cozinha, perto da porta. Jeferson escapou após ser levado por vizinhos, com ajuda de policiais.

"Nos escombros, teve hora que pensei em desistir, pois sabia que já tinha perdido minha família e tudo. Mas aí tive forças para cavar até a porta. Os vizinhos arrombaram a porta e conseguiram me tirar, graças a Deus", contou ele, desesperançoso sobre as notícias da mulher e das filhas.

"A gente tinha acabado de jantar. Eu disse para minha mulher: 'Vai indo para o quarto para dormir com as crianças que eu vou ao banheiro'. Eles foram. Ouvi o estouro e a terra com a laje caindo em cima de mim. Estava perto da porta, mas não consegui sair. Tentei escapar, mas acabei ficando debaixo da terra."

O entregador havia se mudado para a nova casa, pagando aluguel de R$ 450 mensais, para morar mais perto do trabalho. Nos outros dois andares do sobrado, ocupados por outras famílias, também havia desaparecidos.

Antes de morar na casa recém-destruída, Jeferson vivia em outro bairro de Mairiporã, Pinheiral, que também já sofreu com deslizamentos. "Lembro que em 1986 teve outra chuva que causou tragédia, mas não foi tão grave assim", contou Sérgio, irmão de Jeferson, em referência a um episódio vivido pela família em Mairiporã há 30 anos.

Na noite desta quinta, Jeferson ainda torcia pela estabilidade de seu novo abrigo. "Quero que a prefeitura venha aqui no bairro da minha mãe para que eles façam alguma coisa para que a terra não chegue às casas daqui."

Como acontecem os deslizamentos

'PERDI TUDO'

Na rua Tahira Eik, perto da rodovia Fernão Dias, montes de terra se espalharam pelas ruas nesta sexta, com moradores à procura de parentes. "Durante a madrugada, todo mundo começou a sair das casas", contou Telma de Oliveira, 38. "A terra veio abaixo no bairro todo", disse.

Rodrigo Carvalho, 26, escapou por pouco de não morrer soterrado. Ele mora sozinho em uma das casas atingidas pelo deslizamento em Mairiporã e ficou preso em uma enchente no centro da cidade. Por isso, teve que levar seu carro a uma oficina e chegou mais tarde em casa. A rua estava interditada e a casa, tomada pela lama. "Perdi tudo. Só consegui salvar alguns documentos."

"Teve um deslizamento bem do lado da minha casa e da escola em que trabalho. É muita lama e árvore na rua. Na escola não pode entrar nem funcionário nem aluno", disse Daniela Arana Xavier, 31, ajudante geral de um colégio municipal no Jardim Pinheiral, em Mairiporã.

ALERTA

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) visitou Mairiporã e disse que "existe um número de famílias em área de risco bastante elevado", mas que costumam ocorrer alertas do poder público. "A Defesa Civil tem um sistema com todas as prefeituras. O alerta para os municípios foi feito às 2h", afirmou.

Alckmin prometeu auxílio-aluguel para as famílias e disse que elas devem ser beneficiadas por apartamentos de programa habitacional do Estado na região –570 das 1.100 unidades devem ir para moradores de áreas de risco. O governador também liberou cerca de R$ 680 mil para os municípios atingidos.


Colaborou RAFAEL ANDERY.


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