Folha de S. Paulo


Em van, equipe colhe relatos de assédio a mulheres para documentário

Na cola de uma mulher caminhando na rua, um rapaz grita: "Vai ter que me passar seu telefone, hein!". Ela faz que não e apressa o passo.

A poucos metros dali, uma van colhe depoimentos de mulheres. "Precisamos falar do assédio", anuncia um adesivo colado ao veículo. O mosaico de relatos dará origem a um filme de mesmo nome, dirigido pela jornalista Paula Sacchetta, 28, e produzido pela Mira Filmes.

Nesta segunda (7), a van ficou estacionada no Largo Treze, em Santo Amaro (zona sul de São Paulo). Em sua parte de trás, um estúdio improvisado, com uma cadeira e uma câmera, onde as mulheres podem ficar a sós.

Do projeto, surgiram depoimentos como o da depiladora Debora Muniz Barbosa, 30, que passava pelo Largo Treze na tarde desta segunda. "Aos cinco anos, fui abusada pelo namorado da minha mãe. Estávamos no trabalho dela e ele me violentou em outra sala. Ela continuou casada com ele e morreu sem saber disso", diz, reproduzindo o que havia contado em frente à câmera.

"Falo para encorajar outras mulheres que passaram por isso a falarem também", afirma Barbosa, que hoje trabalha em uma ONG de assistência a mulheres vítimas de violência doméstica. Depois dela, é a vez da contadora Camila Guimarães, 23: "Sou homossexual e já ouvi do meu melhor amigo: fica comigo, posso consertar você".

Sacchetta afirma que quis levar para o espaço público o que foi compartilhado nas redes sociais no ano passado, com movimentos como #primeiroassedio. Motivadas pelo caso da participante de 12 anos do "MasterChef Júnior" que foi alvo de comentários de cunho sexual, mulheres escreveram sobre a violência que sofrem desde cedo.

"Aqui, as mulheres também podem desabafar e olhar para sua própria história", diz Sacchetta. A diretora conta ter sido atropelada aos 14 anos, quando fugia da namorada de um agressor. "Histórias de abuso não faltam", diz ela, que codirigiu "Verdade 12.528" (2013), documentário sobre a Comissão da Verdade.

MÁSCARAS

Adriano Vizoni/Folhapress
Cores representam sensações de mulheres vítimas de abuso: amarela (medo), azul (tristeza), roxa (vergonha) e vermelha (raiva)
Cores representam as sensações: amarela (medo), azul (tristeza), roxa (vergonha) e vermelha (raiva)

À tarde, uma mulher entra na van para contar a história de um filho pequeno, vítima de abuso. A diretora explica que ela pode usar um aparelho para distorção de voz e uma de quatro máscaras se não quiser ser identificada.

Confeccionados pela diretora de arte Juliana Souza, 35, os objetos têm cores e expressões para representar diferentes sentimentos que explicam por que a pessoa não quis mostrar o rosto: amarelo —com expressão assustada– para medo; azul, olhos caídos, para tristeza; vermelho para raiva; roxo, com olhos para baixo, vergonha.

A mulher escolhe usar o disfarce azul. Do lado de fora, uma funcionária da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres dá encaminhamento a aquelas que precisarem. O filme, ainda sem data de estreia, será exibido em empenas cegas pela cidade. Todos os depoimentos serão disponibilizados no site do projeto –"espécie de repositório", segundo Sacchetta, que poderá ser ampliado.

Nesta terça (8), a van ficará na praça do Patriarca (centro); na quarta (9), no terminal de ônibus Cidade Tiradentes (zona leste); na quinta (10), na rua Doutor Almeida Lima, 1.134, Mooca (zona leste); na sexta (11), na av. Paulista, esquina com a rua Augusta.


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