Folha de S. Paulo


Sobreviventes enfrentam desamparo 6 meses após chacina na Grande SP

Amauri José Custódio sobreviveu milagrosamente a uma das mais violentas chacinas da história do Estado, em agosto, quando 23 pessoas foram mortas em Osasco e Barueri, na Grande São Paulo.

Mas, para ele, viver se transformou num calvário.

Após quase três meses de internação, dos quais ficou 14 dias em coma, o ex-pintor deixou o hospital com 25 quilos a menos. O tiro no rosto, que entrou ao lado do nariz e saiu pela nuca, quebrou todos os dentes superiores, afetou o maxilar, a fala e ainda comprometeu sua deglutição.

A boca não abre como antes, e as secreções que continuamente saem dela o obrigam a manter um lenço sempre à mão para se limpar. "É difícil até para dormir, acordo frequentemente engasgando com a saliva", diz ele.

Passados mais de seis meses dos ataques, Amauri, 54, reclama do abandono do Estado, que segundo ele não prestou nenhuma assistência até o momento. Sem conseguir mais trabalhar e dependente de uma sonda, de onde se alimenta e ingere líquidos, ele vive graças à ajuda da ex-mulher e dos amigos.

Jorge Araujo/Folhapress
Aparecida Gomes, Zilda Maria Amauri Custodio e Antonia da Silva Mães que perderam filhos na chacina de Osasco conta como estão abandonadas pelo poder publico com a mortes dos filhos. Amauri Custodioo,54 que perdeu 17 quilos porque se alimenta somente com liquidos ficou em coma depois do tiro que levou na chacina e é um dos sobrevivente COTIDIANO Jorge Araujo Folhapress 703 ORG XMIT: XX
Amauri, 54, sobrevivente da chacina, ao lado de mães de mortos nos ataques

A reclamação é a mesma de demais sobreviventes e das famílias dos mortos na chacina, organizada e executada por policiais militares e guardas-civis metropolitanos, conforme declarou o próprio secretário da Segurança Púbica do governo de São Paulo, Alexandre de Moraes.

Familiares de cinco pessoas executadas nos ataques afirmaram à Folha que, até o momento, não houve assistência ou qualquer reparo material por parte do governo –como os crimes foram cometidos por agentes do Estado, todos têm esse direito.

As críticas também são estendidas às prefeituras de Osasco e Barueri, que disseram ter prestado assistência a quem os procurou.

"Estamos abandonados", afirmou Zilda Maria de Paula, 63, mãe de Fernando Luiz de Paula, morto no mesmo local onde estava Amauri. Ela preside a Associação 13 de Agosto, criada pelos familiares para buscar justiça e reparação.

Em dezembro, familiares protocolaram com a ajuda da ONG Rio de Paz um pedido de audiência com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para tratar da reparação às vítimas. Quase três meses depois, não houve nem resposta.

Algumas poucas famílias já entraram na Justiça, mas a Defensoria Pública de Osasco afirmou à Folha que deve ingressar em breve com uma ação por danos morais e materiais em favor das vítimas.

"Os familiares precisam ter algum tipo de protagonismo nesse processo, eles estão totalmente excluídos. E a maior reclamação é a falta de assistência material", afirma Maíra Diniz, defensora pública que acompanha o caso.

A gestão Alckmin afirmou que pelo menos cinco vítimas foram atendidas na rede de saúde do Estado. Sobre a indenização, disse que os interessados devem se dirigir à Procuradoria-Geral do Estado.

O Estado pode indenizar vítimas de crimes cometidos por policiais por meio de decreto, sem esperar pela conclusão de uma ação na Justiça.

Já em relação à ausência de resposta ao pedido de audiência com os familiares, a assessoria do governo informou, após a indagação da reportagem, que vai organizar uma reunião na próxima semana.

APAGADO

"Eu morava com meu filho e meus três netos, era ele quem sustentava a casa. Após sua morte, era impossível arcar com tudo, tivemos que ir morar com minha mãe", conta Antônia Gomes da Silva, 47, mãe de Jailton Vieira da Silva, morto num bar em Barueri –a ação foi flagrada pelas câmeras de segurança.

Nem do processo os familiares estão a par. Após meses de uma controversa investigação conduzida pela força-tarefa criada pelo governo paulista, o Ministério Público estadual denunciou em dezembro quatro agentes do Estado pelos crimes –três PMs e um guarda-civil.

Os quatro estão presos e assim devem continuar até o início do julgamento, ainda sem uma data definida.

No bar do Juvenal, no bairro Jardim Munhoz Júnior, em Osasco, local onde os criminosos mataram o maior número de pessoas na chacina (8), sobreviveram Amauri e um ex-morador da região, Marcos Antônio Passini, que sumiu supostamente após receber ameaças. Marcão, como era conhecido, escapou porque fingiu estar morto.

Amauri lembra que, na noite do dia 13 de agosto, foi ao bar do Juvenal, a poucos metros de sua casa, após comer uma coxinha e um pastel num botequim vizinho. Os salgados foram a última coisa que ele mastigou –os médicos não sabem quando ele poderá comer normalmente.

"Já cheguei meio chumbado. Tomei cerveja, cachaça, e apaguei", relembra. Amauri acordaria duas semanas depois, entubado, no hospital.

Dormindo na mesa, com a cabeça no ombro, ele nada veria da ação que se seguiu: homens encapuzados e armados desceram de um carro e atiraram a esmo contra os dez clientes que estavam no bar.

OUTRO LADO

Após ser procurado pela Folha, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou, por meio de nota, que vai notificar os familiares dos mortos na chacina de Osasco e Barueri para realizar na próxima semana a audiência solicitada por eles e pela ONG Rio de Paz no início de dezembro.

Sobre a assistência médica, o governo disse que "ao menos" cinco vítimas foram atendidas em equipamentos estaduais nos hospitais de Osasco e Itapevi. Quanto ao acompanhamento psicológico, ele deve ser feito na rede básica de saúde, em órgãos municipais como os CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), ressaltou.

Já sobre o pagamento das indenizações, o governo Alckmin afirma que os interessados devem procurar a Procuradoria-Geral do Estado, e que não há a necessidade de advogado.

Caso a indenização não seja considerada justa, pode-se recorrer, cabendo a reavaliação ao procurador do Estado.

A Prefeitura de Osasco declarou que todas as 19 famílias vítimas dos ataques no dia 13 de agosto receberam assistentes sociais e psicólogos nos primeiros dias após o crime. Para continuar, informou, elas devem procurar os Cras (Centro de Referência em Assistência Social).

Já a Prefeitura de Barueri afirmou que nenhuma vítima é assistida na cidade, mas que se quisesse poderia procurar os órgãos locais.


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