Folha de S. Paulo


Crise leva a aumento no abandono de carros, focos potenciais de Aedes

Oficialmente, são veículos, mas só no papel. Eles não têm parte da carroceria, vidros, pneus, rodas, motor, placas, farol ou bancos, e são cada vez mais comuns pelo país.

O aumento recente do abandono de veículos, impulsionado pela crise econômica, segundo prefeituras, e a epidemia de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti têm feito com que municípios criem leis ou coloquem em prática normas para remover esses carros das vias públicas.

Garrafas plásticas, lixo, seringas para uso de drogas, folhas secas e até animais mortos vêm sendo encontrados em automóveis abandonados em capitais como Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e São Paulo e também no interior e no litoral, como Ribeirão Preto, Franca, Guarujá (em SP) e Uberlândia (MG).

Em geral, são veículos com mais de 30 anos de uso, cujo custo para deixá-los em condições de trafegar supera seu valor, ou que estão há anos sem pagar IPVA e têm multas e restrições judiciais.

Rogerio Soares/A Tribuna de Santos/Folhapress
GUARUJÁ, SP - 01.03.2016: DENGUE-LITORAL - Moradores reclamam de pátio de veículos que virou criadouro para o mosquito da dengue em Guarujá, litoral sul de São Paulo. (Foto: Rogerio Soares/A Tribuna de Santos/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Pátio de veículos abandonados em Guarujá, no litoral de SP

Em Curitiba, são ao menos 800 carros nessas condições, segundo a prefeitura, que elabora um plano emergencial para removê-los devido aos 248 casos de dengue —com uma morte— na cidade.

Um obstáculo é que muitos estão estacionados regularmente e não podem ser removidos, diz a porta-voz do batalhão de trânsito da PM local, Etiene do Carmo. "Se está num local correto, não há infração relacionada."

Em Belo Horizonte, a prefeitura mapeou 350 veículos abandonados e, em dezembro, sancionou lei que prevê a remoção e uma multa de R$ 1.268 ao infrator.

O primeiro lote de notificações incluiu 70 veículos. Quando fiscais foram removê-los, acharam 23. Os demais foram levados para locais privados ou deslocados para outras vias.

"É uma preocupação grande devido à dengue e outras doenças", disse Márcia Curvelano, fiscal integrada da Secretaria Adjunta de Fiscalização da capital mineira.

Em Salvador, 110 veículos com sinais visíveis de má conservação foram retirados das ruas e enviados a um pátio. O dono do carro apreendido é multado em R$ 850.

O problema atinge também São Paulo, que fez 1.662 remoções de janeiro a novembro —ou cinco por dia.

Para William Latuf, superintendente da Transerp (empresa de trânsito), de Ribeirão Preto, "é uma tendência" abandonarem os veículos durante a crise.

Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti

Na cidade, foram mapeados 568 carros abandonados. Com lei deste ano, se o dono do carro recolhido não retirá-lo do pátio em 30 dias, ele é leiloado e vendido como sucata. Após notificações iniciais, houve 44 remoções e 241 veículos foram retirados das ruas pelos donos.

O pátio de Franca já abriga 200 veículos abandonados e há ao menos 60 nas ruas, mas não há espaço para eles, segundo o secretário de Segurança, Sérgio Buranelli. "Com a crise, a pessoa não tem como pagar documento e multas e abandona o carro."

Em Uberlândia, são recebidas 60 denúncias mensais. Com uma nova lei, foram resolvidos 135 casos, com 48 remoções. "Já achamos até pessoas dormindo em carros", disse Onei Silvério, comandante de operações de tráfego da Secretaria de Trânsito.

Sem prever multa, Guarujá, no litoral paulista, recolheu 93 veículos desde o ano passado e tem mais de cem à espera nas ruas. Os pátios já estão lotados, com mais de 2.000 veículos e, pior, com criadouros do Aedes.

"É como enxugar gelo", afirma Quetlin Scalioni, diretora de trânsito e transporte. Ela afirmou que o local recebe visitas de agentes de combate a endemias, mas a informação é contestada pelo comerciante Marcos Cezar dos Santos, que mora há 25 anos ao lado do terreno tomado por carcaças de veículos.

"Toda vez que eu ligo a equipe da Saúde vem, mas eles dizem que não podem fazer nada porque não têm condições de entrar ali devido à sujeira e ao mato alto", diz. "Eu tenho filho pequeno, e o pessoal da vizinhança aqui está apavorado."


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