Folha de S. Paulo


Em crise, Ribeirão Preto prevê epidemia histórica de dengue

Sem dinheiro para contratar agentes de controle de endemias nem para limpar o lixo das praças e terrenos, o que facilita a reprodução do mosquito Aedes aegypti, Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo) está prestes a enfrentar sua pior epidemia de dengue.

Projeção da própria prefeitura aponta que o município deve ter 60 mil casos da doença até junho –ou 1 infectado em cada 11 moradores. Até hoje, o recorde era 2010, com 29.637 registros. Ao longo de todo o 2015, quando o Brasil registrou recorde de casos de dengue (1,6 milhão), houve 5.012 notificações na cidade do interior paulista.

Os números de janeiro reforçam a tendência de piora. Com 4.287 casos de dengue notificados no mês passado, Ribeirão desponta como líder no Estado, que registrou, no mesmo período, 35.194 ocorrências do vírus.

A zona oeste concentra o maior número de casos, mas a doença atinge todas as áreas –da rica zona sul, onde criadouros são achados em piscinas, à carente zona norte, onde se acumulam muitas vezes em lixo reciclável guardado para venda.

Pierre Duarte/Folhapress
Pacientes com suspeita de dengue esperam atendimento em posto de saúde de Ribeirão
Pacientes com suspeita de dengue esperam atendimento em posto de saúde de Ribeirão

Só em dezembro, após o início da epidemia, o governo iniciou a contratação de 140 agentes. Desde então, duas mortes pela doença foram confirmadas, e há quatro em investigação. Até 2015, Ribeirão tinha apenas cem agentes nas ruas, um para cada 2.500 imóveis –abaixo do preconizado pelo Ministério da Saúde, de um para cada mil. Nem com as novas contratações o número ficará dentro do ideal.

"Em 2015, a arrecadação caiu e não podia haver contratações para não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Poderia estourar o limite de gastos com pessoal", justifica Stenio Miranda, secretário da Saúde de Ribeirão.

TEMPO PERDIDO

Para Miranda, o clima quente da cidade, o regime de chuva dos últimos meses e a concentração urbana são os principais motivos da epidemia. "Nas temperaturas altas, o mosquito tem velocidade de reprodução maior e toma conta do ambiente."

A contratação dos agentes vai reforçar o combate à epidemia atual, mas o secretário prevê melhoria só a partir de julho, visando o próximo ano.

"Claro que a ajuda é valiosa para tentar diminuir o número de casos, mas já foi perdido o período de combater a infestação. Contratar agora é como tentar apagar incêndio com um balde", diz o docente da Unesp Araraquara especializado em saúde pública Adriano Mondini.

Editoria de Arte/Folhapress
Saiba mais sobre o _Aedes aegypti_, transmissor da dengue, do vírus da zika e da chikungunya
Saiba mais sobre o Aedes aegypti, transmissor da dengue, do vírus da zika e da chikungunya

Para Celso Granato, chefe do laboratório de virologia clínica da Unifesp (Universidade Federal de SP), o número de casos no período entre epidemias (1.120, em Ribeirão, de junho a novembro de 2015) era o prenúncio de uma nova onda do vírus na cidade. Por isso, diz, os agentes deveriam ter sido contratados antes.

Pelas contas do governo, serão necessários R$ 20 milhões para "pagar" a epidemia, entre gastos com remédios, exames, contratação temporária de médicos e infraestrutura nos bairros.
A administração não tem dinheiro e pede ajuda aos governos estadual e federal, até agora sem sucesso.

A prefeitura fechou 2015 devendo mais de R$ 100 milhões a 350 credores, entre eles a empresa que faz a coleta de lixo, responsável pelos serviços de tapa-buraco e poda de árvores, e repasses a hospitais filantrópicos.

Em janeiro, a cidade teve ainda 21 suspeitas de chikungunya 430 de zika, também transmitidas pelo aedes. O próprio governo calcula que outros 60 mil habitantes podem ser infectados pelo vírus da zika, pois a população está suscetível ao vírus.

Ribeirão ainda enfrenta um caos na rede pública de saúde, e a espera por atendimento em unidades básicas supera oito horas, o que fez a prefeitura abrir, no dia 11, um polo exclusivo para tratar pacientes das três doenças.


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