Folha de S. Paulo


Ônibus rápido pode ser solução, afirma ex-prefeito de NY sobre SP

Ex-prefeito de Nova York, cidade com 375,8 quilômetros de metrô (SP tem 78,4 km), o empresário bilionário Michael Bloomberg, 73, quer promover, por meio da filantropia, soluções criativas e replicáveis em cidades latino-americanas. Uma delas é o BRT –sistema que prevê corredores de ônibus, paradas de embarque rápido e prioridade nos semáforos.

"O ônibus fica mais atraente, o que significa menos carros e menos poluição", diz, em entrevista à Folha.

Prefeito de 2002 a 2013, Bloomberg vetou o fumo em restaurantes e bares, ampliou o metrô, fez 450 quilômetros de ciclovia e implementou um sistema compartilhado com 6.000 bicicletas. Recebeu o Orçamento com deficit bilionário e entregou com US$ 2,4 bilhões no azul.

Desde que deixou o cargo, a fundação filantrópica que leva o seu sobrenome promoveu duas edições do Mayors Challenge (desafio a prefeitos, em tradução livre), nos EUA e na Europa. A terceira edição foi lançada nesta semana, voltada à América Latina e Caribe.

Ela consiste em um concurso para que as administrações de municípios com ao menos 100 mil habitantes proponham soluções inovadoras para a cidade. A vencedora ganhará US$ 5 milhões e outras quatro, US$ 1 milhão.

Cadastros devem ser feitos até 15 de março em www.mayorschallenge.bloomberg.org. As ideias que não forem escolhidas podem ainda assim ser implementadas, sugere Bloomberg.

"Nas cidades, estão os problemas e, nas cidades, estão as soluções", argumenta. Curitiba é uma mostra disso, apontou, em vídeo de apresentação do projeto. Não será fácil. A capital paranaense, modelo regional de transporte público, vê-se às voltas com aumento de uso do carro.

Por telefone, o empresário falou à Folha, na condição de se restringir ao tema do concurso. Leia abaixo trechos da entrevista.

Stephane Mahe/Reuters
Michael Bloomberg, o ex-prefeito da cidade de Nova York (EUA)
Michael Bloomberg, o ex-prefeito da cidade de Nova York (EUA)

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Folha - Diversas cidades no Brasil não foram planejadas e, apesar de diversas iniciativas, as pessoas vivem com medo, presas no trânsito, com problemas de moradia e poluição. Pode haver melhoras com projetos como o seu sem que haja reformas estruturais?
Michael Bloomberg - Número 1: ninguém nunca vai curar todos esses problemas em todas as cidades. Temos de ser práticos. O que estamos tentando fazer é com que governos municipais inovem e achem novas formas de fazer a diferença na vida de seus cidadãos. Não vai resolver o problema da pobreza, da falta de educação ou crime. Essas são coisas das quais ninguém se livrou, e se sim, não foi de forma uniforme.
É uma pequena quantia de dinheiro comparado ao orçamento de qualquer cidade grande. O interessante é que todas as cidade parecem ter o mesmo problema, a escala é que pode ser diferente. Você pensaria que Rio e São Paulo têm pouco em comum com uma cidade de 100 mil habitantes, mas têm muito em comum. Devem arrecadar dinheiro, educar crianças e, como você falou, lidar com crime, pobreza e todas essas coisas. Às vezes, uma pessoa tem uma boa ideia numa cidade pequena que pode ser útil em uma cidade grande.

O sr. mencionou São Paulo e Rio. Poderia dizer suas impressões?
São duas das melhores cidades do mundo. O prefeito do Rio [Eduardo Paes (PMDB)] é um bom amigo.

Que tipo de soluções em comum elas teriam para seus problemas?
Por exemplo, o Bus Rapid Transfer [o BRT], que é basicamente pegar os ônibus que já existem, reestruturar as faixas exclusivas e colocar dispositivos eletrônicos, que não são caros, de forma que o sinal verde favoreça os coletivos. Assim, o ônibus fica mais atraente, o que significa menos carros e menos poluição.

Com problemas estruturais, vê risco de o Rio passar vergonha na Olimpíada?
O Rio fez a Copa do Mundo e foi um sucesso fenomenal. Eu não sei por que [na Olimpíada] não seria outro sucesso. A cidade tem ótimas pessoas, que querem fazer acontecer e sempre tem alguém que quer escrever uma história ruim. Eu acho que essas pessoas, não sei, não, precisam de psiquiatra. Elas deveriam focar o que é bom.

Qual deveria ser o papel do setor privado e da filantropia nos governos municipais?
A maioria das coisas que o dinheiro privado pode fazer são projetos-modelo. Por exemplo, você pode mostrar como uma escola pode oferecer educação melhor, mas, quando se trata de abranger toda a cidade, é preciso que seja feito com o dinheiro do contribuinte, devido à escala. Mas o setor privado pode tomar riscos que o setor público não pode. Se funcionar, ótimo. Se não, ao menos você sabe para onde não ir.

Quais cidades seriam inspiradoras para a América Latina?
Quando fizemos o projeto antes, tivemos todo tipo de ideias. Coisas simples tipo como ajudar professores a se comunicarem com os pais da criança que precisa de ajuda extra ou como usar um sistema de dados para decidir qual serviço oferecer para qual região. Algumas cidades vão achar atraente, outras não. Mas a coisa legal, o teste aqui é: se quiser vencer, tem que vir com uma boa ideia implementável e que tenha utilidade para outras cidades.

Durante sua gestão em Nova York, a população foi envolvida em diversas medidas, como na implementação das ciclovias. Em cidades brasileiras, os moradores estão insatisfeitos. Qual é a melhor maneira de envolvê-los?
É preciso se fazer acessível. O que eu fiz como prefeito era agendar reuniões. Algumas centenas de pessoas compareciam, e tínhamos funcionários para responder suas perguntas. Tinha o 311, um número para o qual as pessoas telefonavam para pedir informação. Hoje, há mídias sociais que não estavam disponíveis quando tomei posse, em 2002. É preciso achar uma forma que as pessoas achem interessante e depois torná-las públicas. Metade da população do mundo vive em cidades. Em 2050, serão três quartos. As cidades são onde estão os problemas e as cidades são onde estão as soluções. As cidades são de onde vem a poluição e são onde os prefeitos fazem algo a respeito. Grande parte dos problemas pode ser nacional, mas governos federais nem de longe conseguem achar soluções boas como as de governos locais.


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