Folha de S. Paulo


As canetas morreram. O papel morreu. Escrever à mão é uma relíquia

Recentemente, passei por aquela situação de ter de assinar um cartão de parabéns gigante –o que já seria horrível mesmo que o Guardião do Grande Cartão não estivesse me olhando por sobre os ombros. De repente, eu estava na berlinda, um coelho apanhado pelos faróis, dividido entre escrever alguma coisa engraçada, ou uma piada que só o destinatário do cartão entendesse, ou desenhar alguma coisa. Em lugar disso, ao peso da miríade de opções disponíveis, decidi escrever apenas "tudo de bom, boa sorte, Joel".

Foi naquele momento que percebi, para meu horror, que tinha desaprendido a escrever. Tive de rabiscar um "e" duas vezes. Escrevi meu nome com pressa demais, errei no "J", tentei salvar a situação sublinhando a letra, mas calculei mal e acabei traçando uma linha sobre a mensagem toda.

E o fato é: quando é que eu preciso escrever à mão? Minha existência inteira é "digitar letras no computador". Minhas listas de compras são anotadas no celular. Se preciso me lembrar de alguma coisa, mando um e-mail a mim mesmo. E o ignoro ao receber. Caneta é um objeto que mastigo quando estou tentando pensar. Papel é algo que posiciono em uma pilha por baixo do meu laptop para que ele fique em altura mais confortável para que eu digite. Minha vida não requer tinta.

Portanto, minha solidariedade aos adolescentes que foram alvo de uma campanha do lobby da tinta esta semana por sua relutância em escrever bilhetes à mão. Uma pesquisa entre mil adolescentes conduzida pela fabricante de canetas Bic constatou que 10% deles não têm canetas, um terço jamais escreveu uma carta e metade das pessoas entre os 13 e os 19 anos jamais foi forçada a se acomodar à mesa e escrever um bilhete de agradecimento. Mais de 80% dos pesquisados nunca escreveram uma carta de amor, e 56% deles não têm papel de carta em casa. E 25% dos entrevistados jamais passaram pela singular tortura de escrever um cartão de aniversário.

Porque, acima de tudo, não estamos na era vitoriana. Bic, você já ouviu falar de celulares? Já ouviu falar de e-mail? Você conhece aquele estranho site que usamos para desejar feliz aniversário uns aos outros, o Facebook? Todas essas são maneiras de os adolescentes se comunicarem quanto não estão usando o Snapchat para trocar fotos de suas partes pudendas. O futuro é esse. As canetas estão mortas. O papel está morto. Escrever à mão é uma relíquia.

Jonathan Smyrne, da Bic do Reino Unido, continua adepto da Cristal Medium 1.0 mm, porém. "Talvez o mais preocupante nessas constatações, porém, seja o fato de que as pessoas pouco escrevem em casa", ele disse. "Escrever à mão é uma das atividades mais criativas que temos e deveria ter importância semelhante à conferida a outras formas de arte, como o desenho, pintura ou fotografia".

Veja, eu odeio adolescentes, como todo mundo. Eles usam roupas esportivas caras demais e ouvem música que não entendo. Gostam de conversar quando andam de ônibus. São uma desgraça. Mas persegui-los por não escrever bilhetes de agradecimento é bizarro. O único lugar em que um adolescente precisa usar caneta é nos exames escolares.

Se eles desejam agradecer por alguma coisa, podem conversar com os avós no Skype. Se querem desejar feliz aniversário a alguém, podem usar o SMS. Se querem declarar amor, contam com 140 caracteres e um amplo arsenal de .gifs feitos para isso. Precisam de canetas tanto quanto precisam de máquinas de escrever, pederneiras e equipamento para afogar bruxas. Precisam ter uma reserva de papel de carta em casa tanto quanto precisam de uma cura para a peste negra.

Mas pare para pensar no velho Vovô Bic, no alto de sua torre de papel. Um vidro de corretivo gira no chão. Uma pilha de papel com o logotipo da empresa voa pela janela. "Como fazer que escrever à mão seja bacana de novo?", ele grita, e ouve o eco de suas palavras. "As canetas para meninas não deram certo! Rápido, vamos demonizar os adolescentes!" Enquanto isso, nas fossas onde canetas são produzidas, lá embaixo, os trabalhadores estão todos assinando um cartão para ele, e todos param por alguns segundos incômodos antes de por fim desistir e escrever "tudo de bom, mano", e passar o cartão adiante. Não foram os adolescentes que mataram a escrita à mão. Ela já estava morta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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