Folha de S. Paulo


'Técnica de guerra' pode ser salvação de água com lama do rio Doce

Uma tecnologia empregada em cenários de guerra, em campos de refugiados e nos desertos pode ser a saída para restabelecer de maneira segura o abastecimento de água ao longo da bacia do rio Doce, devastada pela lama da tragédia de Mariana (MG).

Em algumas localidades, a situação é crítica. Em Colatina (ES), por exemplo, um protesto contra a falta de água terminou em confronto com a PM nesta terça-feira (25).

Segundo especialistas, para que os municípios que margeiam o rio Doce possam voltar a captar água sem preocupações com eventual contaminação pela lama e, em especial, por excesso de metais, as técnicas de ultrafiltração e uma conhecida como "superfiltros" podem ser a chave.

No último dia 5, cerca de 40 bilhões de litros de lama foram derramadas após o rompimento de uma barragem com rejeitos da mineradora Samarco, presidida por Ricardo Vescovi e controlada pelas gigantes Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

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O "tsunami", que também tinha lama de uma mina da Vale (presidida por Murilo Ferreira) destruiu um vilarejo, matou peixes, invadiu o litoral espírito-santense, abalou o abastecimento de água de cidades e deixou um saldo de ao menos 11 pessoas mortas e 11 desaparecidas –há quatro corpos sem identificação.

Para tratar a água do rio, as cidades primeiramente teriam que aplicar uma carga extra de coagulantes (de origem química ou vegetal) para separar a água da lama.

Essa técnica já tem sido usada no município de Governador Valadares (MG), também em crise de abastecimento por causa da lama.

No passo seguinte, depois do coagulante, a água do rio já separada da lama deveria ser submetida a um processo de tratamento tradicional, em estações que já existem.

Na última etapa, para que se afaste o risco de uma eventual contaminação por metais pesados, a água deveria ser submetida a um novo processo de limpeza: aí sim pelos chamados "superfiltros".

Infográfico: Entenda o supertratamento de água

A depender da quantidade de metal solúvel contida na água, a técnica poderia ser de ultrafiltração ou osmose reversa (mais intensa, capaz até de retirar metais pesados).

Até agora, a ANA (Agência Nacional de Águas) disse não ter encontrado amostras de metais pesados nas análises das águas do rio Doce.

A Prefeitura de Governador Valadares (MG), a mais de 300 km do local do acidente e no caminho da lama, também disse que não ter encontrado vestígios de metais pesados e que apenas o uso do coagulante e do tratamento tradicional tem sido suficiente para torná-la potável.

"Mas a vigilância será constante", disse o químico responsável pela água local.

Para Eduardo Cleto Pires, especialista em tratamento de água da USP de São Carlos, por segurança deve ser investigada intensamente a presença de metais pesados.

"E, caso tenha [metais pesados], o tratamento terá que ter até osmose reversa", diz, sobre a técnica usada para tornar a água do mar potável.

No Brasil, ela já é usada para tratar 48 mil litros de água do mar por hora em Fernando de Noronha, após investimento de R$ 20 milhões.

Outra técnica, mais barata, é a ultrafiltração, tecnologia comum na indústria e cada vez mais usada para abastecimento público, como em São Paulo e Bertioga.

É mais eficiente do que o tratamento convencional na filtração de metais e ainda é capaz de barrar vírus e bactérias. "O uso de membranas é completamente viável do ponto de vista técnico, econômico e ambiental", diz o professor José Carlos Mierzwa, da Poli-USP. "Seria a modernização do tratamento."

A Samarco já procurou diferentes empresas fornecedoras de membranas ultrafiltrantes, mas diz que, por ora, essa técnica não é necessária.

Um dos entraves pode ser o tempo de construção de novas estruturas, que pode demorar alguns meses. No entanto, já há fornecedores que vendem ou até alugam estruturas desse tipo, que chegam montadas, em contêineres.

Esse serviço de aluguel de estações é usado, por exemplo, em campos de refugiados, campos de guerra e plataformas petroleiras.

Infográfico: Dano ambiental


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