Folha de S. Paulo


Avanço da lama no ES provoca 'parto' prematuro de tartarugas ameaçadas

O avanço da lama com rejeitos de minério pelo mar do Espírito Santo obrigou a equipe do projeto Tamar a adotar uma estratégia contra o curso normal da natureza: antecipar o "parto" de tartarugas marinhas, espécies que estão ameaçadas de extinção.

Na segunda (23) e na terça (24), equipes abriram ninhos escavados pelas fêmeas nas praias, cujos ovos já haviam eclodido, para retirar os filhotes e transportá-los já nascidos a alguns quilômetros mais distante da lama que está na foz do rio Doce, para que caminhassem até um mar limpo. "Queríamos que o primeiro contato deste filhote não fosse com a lama", disse Cecília Baptistotte, coordenadora regional do Tamar.

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Ela comparou o procedimento de emergência a uma cesariana. Normalmente, a ação da equipe é apenas monitorar quais são os ninhos e quando os ovos eclodem, porque os filhotes sozinhos deixam o buraco e saem em direção ao mar. A equipe do Tamar precisa apenas ajudar os retardatários.

Em setembro, quando começou o período de reprodução das tartarugas marinhas, também houve deslocamentos, mas de ovos ainda não eclodidos, que estavam muito perto da foz e poderiam ser prejudicados caso o banco de areia que separa rio e mar se rompesse, e a água "lavasse" o local de desova.

O azar com o avanço da lama é duplo no caso especial da tartaruga-de-couro (ou gigante). É que, dos cinco tipos existentes no Brasil –todos ameaçados– é a que tem a menor população e tem justamente em Regência sua principal e quase exclusiva área de berçário no Brasil. Desde setembro, apenas nove fêmeas apareceram para pôr seus ovos na praia capixaba.

Infográfico: Dano ambiental

SEM PRECEDENTES

Os pesquisadores do Tamar ainda não têm dimensão das consequências da lama às tartarugas marinhas. Isso porque, segundo a coordenadora do grupo, não há na literatura nenhum caso de acidente nessa proporção que tenha afetado esses animais.

Uma das hipóteses, diz Baptistotte, é a de a lama ter uma concentração acentuada de ferro. A ingestão pelas tartarugas pode provocar uma intoxicação aguda. Outra possibilidade é a de a lama se espalhar na praia e prender literalmente os filhotes que tentam ir ao mar.

As tartarugas vivem em média de 80 a 90 anos e se reproduzem na fase dos 25 aos 30 anos. De setembro a março, vão até sete vezes à areia para depositar ovos. Segundo a bióloga do Tamar Jordana Freire, 26, são animais extremamente sensíveis a qualquer oscilação –luzes de casas refletidas na praia podem espantar as fêmeas.


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