Folha de S. Paulo


Bombeiros se guiam por urubus e cães para achar corpos em lama de MG

O capitão Vinicius Oliveira, 43, acorda às 5h e, uma hora depois, chega ao vilarejo de Bento Rodrigues, onde só é possível ver lama, telhados, caixas-d'água, carros abandonados e pedaços do que já foi a casa de alguém.

Durante todo o dia, Vinicius vai e volta de helicóptero levando mantimentos, equipamentos e novas ordens a 40 homens sob seu comando.

O capitão também fica atento a concentrações de urubus e latidos de cães da vizinhança, que ajudam a guiar sua equipe no resgate dos corpos de vítimas do rompimento de duas barragens da mineradora Samarco.

Em uma área previamente mapeada por GPS, os bombeiros iniciam as escavações. Eles põem madeirites sobre o chão para não afundar e andam lentamente. Aí fazem buracos na lama com canos de PVC, os chamados "tubos de odor", para que cães farejadores percebam se há sinal de corpos em decomposição. Em caso positivo, começam a escavar.

Com 14 anos de experiência na Polícia Militar, Vinicius, subcomandante do batalhão de emergência enviado de Belo Horizonte a Bento Rodrigues, a 124 km da capital mineira, diz que o cansaço não é nada perto do desespero de ouvir pais pedindo que localizem os corpos de seus filhos –ainda há três crianças desaparecidas.

"Eu tenho dois filhos, um casal, e ouvir pais pedindo para achar corpos de crianças de cinco ou sete anos é difícil. Muito", resume.

Sua família ficou em Belo Horizonte e ele só volta para casa uma vez por semana. E o capitão sabe que não tem previsão de quando concluirá o trabalho em Bento Rodrigues.

Para ele, o trabalho feito desde o dia do desastre só é comparado à época em que atuava para conter rebeliões com presos armados. As decisões, compara, têm que ser tomadas rapidamente e de forma estratégica para que o resgate de moradores, ou reféns, não seja colocado em risco.

DRONES E LAMA

Até segunda-feira (9), os bombeiros apenas sobrevoavam a área, de helicóptero, ou enviavam drones à procura de sinais de vida. Também entravam nas áreas mais seguras, nas bordas dos locais atingidos pela lama. "Não tínhamos piso para trabalhar. Tínhamos que esperar a água fluir, ou afundaríamos", diz.

Depois, quando o terreno ficou um pouco mais firme, passaram a usar cordas e bastões para caminhar na lama. Além de pessoas, eles resgatam animais perdidos.

Desde terça (10), a estabilidade da região foi abalada por outro risco: o desmoronamento de trecho de uma barragem que não foi rompida, a Germano, localizada ao lado de onde o desastre aconteceu. Técnicos tentam reforçar a barragem para não haver outro vazamento. Abaixo dela, os bombeiros trabalham.

A corporação calcula ter resgatado 250 pessoas no dia da tragédia. Em média, 40 soldados passam o dia em Bento Rodrigues e outros 60 fazem as buscas nos rios das cidades atingidas. A maioria dos corpos foi encontrada a quilômetros de distância.

As buscas se encerram antes das 18h, mas depois o comando ainda se reúne para decidir os próximos passos. Há trocas de pessoas ao menos a cada sete dias.

"Estou dormindo quatro horas por dia, quando durmo", diz Vinicius. Ele e a equipe ficam acampados na sede da mineradora Samarco, no meio do caminho entre a sede de Mariana e Bento Rodrigues.


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