Folha de S. Paulo


Governo de SP omitiu 973 mortes por policiais de balanços oficiais

Um total de 973 mortes cometidas por policias militares de folga em ações de legítima defesa foi omitido por quase uma década dos balanços trimestrais de criminalidade divulgados pelo governo de São Paulo.

Esses casos, ocorridos de 2006 a março deste ano, são de autoria de PMs que, em horário de folga, mataram alguém ao reagir a algum crime.

A ausência dessas mortes nos balanços oficiais, cuja divulgação é determinada em lei, foi confirmada à Folha nesta semana pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB).

A gestão tucana informou em nota que todas essas 973 mortes por PMs não estão contabilizadas nas estatísticas mensais de homicídios, divulgadas desde 1995.

Elas também não aparecem nos balanços da Secretaria da Segurança Pública sobre letalidade policial.

Caso de homicídio é quando um policial, por exemplo, mata alguém de forma ilegítima, como nas chacinas de Osasco e Barueri. Esse tipo de crime é incluído na contabilidade que define a taxa de homicídios de todo o Estado.

Já a letalidade policial é um conjunto paralelo de estatísticas que fica disponível no site da pasta com o total de policiais mortos em confronto e as mortes atribuídas a agentes nas ações.

Ladrões mortos por PMs em uma troca de tiros, por exemplo, entram apenas nessa conta de letalidade, sem interferência nas taxas de homicídio.

Essas 973 mortes, porém, estão apenas publicadas no "Diário Oficial" de SP em extratos da Corregedoria da PM.

Ao somá-las aos dados dos balanços oficiais, o número oficial da letalidade de PMs de folga no Estado aumenta em 155%, chegando a 1.600 mortes desde 2001, e não as 627 divulgadas até o momento.

Esse conjunto de dados é utilizado pela gestão para planejar "ações policiais" e "investimentos no setor", inclusive nos critérios para pagamento de bônus aos policiais.

Infográfico: Governo de SP omitiu mortes

Questionado sobre a omissão dessas quase mil mortes das estatísticas oficiais, o governo paulista alega que não há falta de transparência.

As estatísticas de criminalidade são regidas por uma lei de 1995, regulamentada no governo Covas (PSDB), e obriga a divulgação desses dados.

Só a partir de abril deste ano, tais mortes por PMs de folga voltaram a integrar os balanços. O campo "pessoas mortas por policiais militares de folga", que permaneceu quase zerado por nove anos e três meses, voltou agora a contabilizar esses casos.

A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, afirma que essas novas informações implicam revisão dos anuários estatísticos da ONG.

Segundo ela, o próprio governo afirmou anteriormente que mortes praticadas por policiais estavam registradas como homicídio. "Foi uma surpresa negativa, pois São Paulo foi pioneiro na publicação das estatísticas. Nunca questionamos a confiabilidade."

Nesta semana, ao contestar reportagem da Folha que viria a ser corrigida, o governo afirmou que mortes cometidas por PMs em horário de folga e em legítima defesa nunca foram contabilizadas, por nenhuma gestão do Estado, na taxa de homicídio.

Ao dizer isso, já que elas também não apareciam na conta de letalidade, o governo indicou um limbo com 973 mortes de policiais militares fora de balanços oficiais num período de quase dez anos.

OUTRO LADO

O governo de SP nega qualquer falta de transparência em relação à divulgação das mortes cometidas por PMs de folga em ações de legítima defesa de 2006 a março deste ano.

"Não há omissão de dados em São Paulo. A SSP [Secretaria da Segurança Pública] estranha que a Folha de S.Paulo continue, após diversas explicações, insinuando que a pasta não divulga os dados, apesar da publicação mensal no Diário Oficial", afirmou a secretaria, em nota.

Segundo a pasta, a divulgação dos dados de mortes provocadas por policiais civis e militares cumpre o prazo e o canal previstos na legislação do Estado. "Prova dessa divulgação é a própria reportagem, que obteve os números no 'Diário Oficial' do Estado, que está disponível para todos os paulistas."

A secretaria, porém, não respondeu a outros questionamentos. Por exemplo: se há uma coluna específica para a publicação de dados de letalidade de PMs de folga, por que o espaço ficou zerado ao longo de quase dez anos?

A Folha também não obteve resposta ao indagar a secretaria se haverá uma atualização dos dados de letalidade.

Procurado, Saulo de Castro Abreu Filho, secretário da Segurança Pública em 2006, quando os dados passaram a ser omitidos nos balanços, não atendeu à reportagem.

Em nota, disse que mudança metodológica "realizada pela Corregedoria da Polícia Militar não acarretou nenhuma alteração na contabilidade dos índices criminais."

Afirmou ainda que as publicações dos dados sempre seguiram os termos da legislação, "garantindo-se total e efetiva transparência."

Coordenador à época da central da estatística da Secretaria de Segurança, Túlio Kahn disse que mortes por PMs de folga em legítima defesa passaram a ser classificadas no "Diário Oficial" como "homicídios dolosos (reação)" para desagregar os dados, tornando-os mais transparentes.

Questionado se essa mudança foi baseada em alguma norma, Kahn não quis se manifestar a respeito.


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