Folha de S. Paulo


ONGs limitam doação de gatos pretos às vésperas da sexta-feira 13

Eduardo Anizelli/Folhapress
A advogada Ana Paula Ventura com gato que teve orelhas cortadas numa sexta-feira 13
A advogada Ana Paula Ventura com gato que teve orelhas cortadas numa sexta-feira 13

Se você acha que sexta-feira 13 é sinônimo de azar, imagine o que pensa do dia Orelhinha, um gato de nove meses que, em fevereiro, nessa data, teve suas duas orelhas dobradas e afixadas ao meio com supercola. O bichano foi encontrado num cemitério, no que protetores dos animais afirmam ser um ritual ligado à data.

"O caso dele não é tão comum, mas acontecem coisas do tipo todo ano, sim, e nós precisamos proteger os bichos", diz Paula Ventura, da comissão de proteção e defesa animal da OAB, com Orelhinha, já são e salvo, ainda que com a orelha permanentemente torta, pendurado no ombro enquanto posa para fotos. É para evitar casos como o dele que ONGs e amigos dos animais mudam o esquema de adoção nesta semana.

"Evitamos doar para pessoas que dizem que fazem questão de um pretinho 100% desta cor, sem nenhuma manchinha", diz Andréa Moraes, responsável pelo marketing da Adote Um Gatinho. Além de ficar de ficar com uma pulga atrás da orelha quando alguém pede um bichano estritamente preto no período, o grupo adia algumas doações para depois da data, "se não estivermos 100% seguras".

Na Amigos 4 Patas, o interdito está valendo desde o fim de outubro. É que a sexta-feira 13 caiu duas semanas após o Dia das Bruxas, em 31 de outubro, e as administradoras da ONG consideram o período turbulento para um gato pardo encontrar um novo lar.

"Não doamos gatos pretos perto dessa data. Se a pessoa realmente quiser, pode esperar um pouquinho", diz a apresentadora Luisa Mell, à frente do instituto de salvamento e adoção animal que leva seu nome.

No Centro de Zoonoses de São Paulo tampouco foi possível levar um gato negro para casa esta semana. A reportagem ligou para o centro de adoções, em Santana, e perguntou se havia bichos dessa cor. Ouviu que sim, mas que eles não estavam disponíveis até segunda-feira, dia 16. Procurado oficialmente, o centro afirmou que não se posicionaria sobre o assunto.

Em 2012, o mesmo órgão emitiu uma nota em que admitia a conduta, e dizia: "a adoção é um ato nobre, portanto, a predestinação por cor baseada em superstição não combina com o perfil de quem deseja adotar um cão ou gato"a adoção é um ato nobre, portanto, a predestinação por cor baseada em superstição não combina com o perfil de quem deseja adotar um cão ou gato".

Outras entidades, como a Uipa (União Internacional Protetora dos Animais), ficam de orelhas em pé quando um postulante a dono pede um filhote todo preto, em qualquer data do ano. "A norma é sempre não doar bichanos pretos para pessoas que não conhecemos", diz a presidente Vanice Orlandi. A regra nasceu, diz ela, após experiências traumáticas com pessoas que queriam gatos pretos.

RONDA EM CEMITÉRIO

Protetores dos bichos também mudam sua rotina por conta da data. A enfermeira aposentada Susana Lima, 62, planeja passar a noite do dia 13 para o 14 em claro, andando pelas ruas do centro, com ouvidos abertos para miados de apuros. "Já consegui salvar quatro gatinhos da morte assim nos últimos três anos. Um deles foi queimado com água quente e colocaram uma maçã na boca", conta Lima, que passeia por praças e cruzamentos durante toda a madrugada.

Hoje, os resgatados moram em seu apartamento no Bom Retiro, e atendem por Huguinho, Zezinho, Luisinho e Etevaldo. "O mais incrível é que eles cresceram carinhosos."

A dona de casa Matilde Santos, 55, dedicará a noite de sexta para um passeio tétrico. Fará rondas com um filho pelas cercanias dos cemitérios do Araçá e São Paulo, ambos na região de sua casa. "Vou tremendo, mas vou. Se dá um pouco de medo em mim, imagina o quanto ficam apavorados esses bichos, que não fizeram nada para merecer o que as pessoas más reservam para eles", diz Santos, que tatuou um gato preto no antebraço direito há dois meses.

A guardiã de Orelhinha faz planos de mandar fazer uma camisetinha com os dizeres "Eu não dou azar" para passear com ele pelo centro da cidade. Além da campanha focar em convencer que gatos pretos não dão azar –apenas têm azar de cair em mãos erradas– ela também fará propaganda do gato, que estará disponível para adoção após a efeméride.

Quem se interessar por levar para casa um gato preto carinhoso deve escrever para pvbigato@gmail.com. Mas que esteja pronto para uma entrevista detalhada antes de pôr a mão no bicho. Ou, como diria Paula: "Ele não merece mais sofrer".


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