O projeto de lei que prevê punições mais severas para o aborto e a falta de informações claras sobre alguns pontos do texto têm gerado embates entre movimentos contrários e a favor da proposta.
Após a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados dar sinal verde para a tramitação, o texto virou alvo de protestos pelo país, incluindo a campanha #AgoraÉQueSãoElas, em que colunistas homens cedem seu espaço a mulheres.
No centro da polêmica, o projeto de lei 5.069/2013 muda o atendimento às mulheres vítimas de estupro.
A lei atual prevê que sejam "facilitados" o registro de ocorrência policial e exames de corpo de delito. A mulher, porém, pode decidir fazê-los ou não. Não precisa provar o estupro para fazer o aborto.
Com a proposta, tanto a passagem pela delegacia como o exame para constatar a violência viram obrigatórios.
Relator do projeto, o deputado Evandro Gussi (PV-SP) diz que a medida é necessária para identificar o agressor.
Charles Sholl - 21.out.2015/Futura Press/Folhapress | ||
Mulher segura cartaz a favor do projeto de lei na Câmara |
Já o médico Jefferson Drezzett, coordenador do atendimento a vítimas de violência sexual do hospital paulista Pérola Byington, diz que a exigência deve fazer com que mulheres que não procuram a polícia por medo ou ameaça, e depois se descobrem grávidas, tenham que recorrer ao aborto clandestino.
"Um mês e meio depois, o que o IML vai conseguir resgatar de evidência do estupro? Nada", diz.
Ele lembra que abortos legais feitos no SUS seguem procedimentos que incluem termo de responsabilidade assinado pela gestante e comparação entre a data do estupro informada pela mulher e a idade do feto.
Favorável ao projeto, Jaime Lopes, do movimento Brasil sem Aborto, diz que a mulher vítima de estupro pode ir à delegacia e fazer o exame sem apontar culpados. "Ela só tem que comprovar a violência."
PÍLULA DE EMERGÊNCIA
Outro impasse em relação à proposta está na chamada "profilaxia da gravidez", prevista na lei 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento a vítimas de violência sexual.
Na prática, a medida consiste no oferecimento da pílula do dia seguinte.
Ao tratar do tema, o projeto de lei usa o termo "procedimento ou medicação, não abortivo, com eficiência para prevenir gravidez resultante de estupro".
Embora estudos científicos mostrem que a pílula não é abortiva -por atuar antes da implantação do embrião-, a medida pode abrir "brechas", diz Etelvino Trindade, presidente da Febrasgo (federação de obstetras). "Se entendem que é abortiva, um médico numa comunidade menor que a receitar pode vir a ser acusado de aborto."