Folha de S. Paulo


Assédio virtual após programa surpreendeu, diz mãe de chef mirim

Uma menina de 12 anos aparece na televisão. Na internet, alguns homens se manifestam: "Se tiver consenso é pedofilia?"; "A culpa da pedofilia é dessa molecada gostosa"; "Com 14 anos, vai virar aquelas secretárias de filmes pornô".

A vítima do assédio foi uma participante do "MasterChef Júnior", um reality show de culinária com crianças de 9 a 13 anos de idade que estreou na terça-feira (20) na Band e foi assunto nas redes sociais durante a semana.

À Folha, a mãe da participante, que pediu para não ser identificada, diz que "pessoas mal intencionadas existem muito antes da internet, as redes sociais são apenas mais um canal de propagação desse comportamento."

Carol Gherardi/Band
Jurados do reality
Jurados do reality "MasterChef Júnior", da Band, em que crianças competem na cozinha

"Estávamos preparados e preparamos a nossa filha para a exposição e repercussão positiva e negativa. No entanto, fomos surpreendidos por essas abordagens descabidas, mas, como estávamos atentos, conseguimos protegê-la do conteúdo", afirma.

O ataque à criança impeliu Juliana de Faria, idealizadora da campanha Chega de Fiu Fiu, contra o assédio, a criar uma iniciativa para que mulheres relatassem o primeiro assédio que sofreram.

Cerca de 22 mil usuários haviam publicado mensagens no Twitter com a hashtag #primeiroassédio até sexta-feira (23), segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados. O Twitter não conseguiu fazer levantamento das informações até a conclusão desta edição.

PRIMEIROS ASSÉDIOS

"Pai de uma amiga, bêbado, passou a mão em mim, sorriu e disse que cresci rápido. Eu tinha dez anos e senti que a culpa era minha."

"No meu aniversário de sete anos. Filho da amiga da minha mãe. Dormi e acordei com ele me tocando."

"Tinha 11 anos. Réveillon na casa de uma tia. Ex-marido dela se deitou comigo, pediu beijo e passou a mão entre minhas pernas."

"Oito anos de idade: homem coloca a mão bruscamente dentro da minha calcinha, enquanto uma parente minha dorme ao seu lado."

"Doze anos: no cinema, cara ao lado começa a se masturbar olhando para mim."

"Seis anos, um vizinho me chamou para pegar bala na casa dele e me beijou de língua."

Pelo Twitter, a cantora Karina Buhr lamentou: "O pior de tentar lembrar o primeiro assédio: não parar mais de pensar em todos os outros".

Juliana de Faria celebra a "força e a coragem" das mulheres que compartilharam suas histórias. "Essa foi a primeira vez que aconteceu isso no mundo? Não. Isso é corriqueiro e acontece cedo", observa. Ela afirma ter ficado 16 anos sem revelar que havia sofrido assédio.

"Quando uma amiga me disse o que tinha acontecido com ela, tive coragem de contar. É um efeito dominó."

"A repercussão do caso deu voz a movimentos que já existem há muito tempo, mas, como não estavam associados a um programa de repercussão como o 'MasterChef', não geravam interesse da imprensa", diz a mãe da participante do programa. "É preciso preservá-la da violência, mas também prepará-la para se defender sozinha."

Para a promotora Ana Paula Meirelles, do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, as mensagens mostram que o assédio é banal e naturalizado. "E deixa marcas, tanto é que 20 anos depois, nenhuma dessas mulheres esqueceu."

A Band diz que "o assunto está sob análise do departamento jurídico da emissora". Segundo Meirelles, o Ministério Público, que não se pronunciou, pode intervir no programa ou entrar com uma ação contra a emissora.


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