Folha de S. Paulo


Fundação Casa vive a maior onda de fuga desde os tempos de Febem

Marcio Ribeiro - 9.out.2015/ Brazil Photo Press/Folhapress
Jovens infratores durante rebelião na Fundação Casa Pirituba (zona norte), quando quatro funcionários viraram reféns
Jovens durante rebelião na Fundação Casa Pirituba (zona norte), quando 4 funcionários viraram reféns

A Fundação Casa, instituição que interna adolescentes infratores em São Paulo, enfrenta neste ano a maior onda de fugas desde 2005, quando ainda se chamava Febem.

Do começo de 2015 até esta quarta-feira (14), 487 jovens tinham conseguido escapar de unidades da fundação no Estado inteiro –212 só nos últimos dois meses, em oito grandes fugas. Do total do ano, 106 foram recapturados.

Em 2005, quando uma grande crise assolou a Febem e culminou em centenas de demissões de servidores, foram registrados 775 fugitivos ao longo do ano inteiro.

A partir dali, todos os anos contabilizaram menos adolescentes fugitivos do que 2015, que ainda não terminou. O governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que "está empenhado para solucionar estes problemas".

A atual gestão da Fundação Casa não revelou os dados oficialmente (pediu prazo de uma semana para fornecê-los), mas parte deles foi obtida pela Folha com a Promotoria e parte já havia sido divulgada anteriormente.

Nos episódios mais recentes de fugas em massa, houve até uso de caminhão, para arrombamento de portão, e de barcos, para escapar pelo mar.

Em Santos (litoral paulista), 42 jovens de um total de 64 escaparam depois de dominar os funcionários na noite de segunda-feira (12).

Segundo a Polícia Militar, que fez buscas na cidade e na região, parte dos jovens utilizou barcos de pescadores, que estavam atracados num braço de mar, para fugir. Após um dia de buscas, ninguém havia sido reencontrado.

Infográfico: Evolução das fugas

Na última quinta (8), em Pirituba (zona oeste de São Paulo), os jovens fizeram uma rebelião com quatro funcionários reféns, um deles ferido com gravidade. Atearam fogo em documentos do arquivo da diretoria, em colchões e em utensílios, mas não conseguiram escapar.

A atual onda de fugas se intensificou a partir de 30 de agosto, quando 15 adolescentes fugiram da unidade Encosta Norte, no Itaim Paulista (zona leste). Foi nesse caso que um caminhão arrombou um portão, possibilitando que os jovens fugissem.

A Fundação Casa informou que todos os casos estão sendo apurados por sua Corregedoria-Geral e que instalou comissões para avaliar sanções aos que forem recapturados.

A Corregedoria investiga a hipótese de que a atual onda de fugas esteja sendo facilitada por funcionários, que estariam insatisfeitos. As investigações correm em sigilo.

No episódio do caminhão, por exemplo, haveria indícios de que alguns protocolos de segurança não tenham sido seguidos pelos servidores.

João Faustino, diretor do Sitraemfa, sindicato que representa servidores da Fundação Casa, admite que há insatisfações da categoria com a gestão Alckmin, que recorreu à Justiça para não conceder todos os benefícios negociados durante uma greve no meio deste ano, mas nega que haja "corpo mole".

Faustino atribuiu as fugas, principalmente, ao número reduzido de funcionários atuando nos pátios das unidades. "Em média, são 60 adolescentes para quatro ou cinco servidores. Se eles resolvem fazer rebelião, ninguém segura", disse.

Segundo Faustino, as condições de trabalho são tão degradantes que, de 13 mil servidores da fundação, 600 (5%) estão afastados pelo SUS por problemas de saúde.

Infográfico: Superlotação na Fundação Casa

Para Tiago Rodrigues, promotor da Infância e da Juventude, a alta de fugas decorre de um processo antigo que combina superlotação com falta de funcionários.

"Essa é a eclosão de um problema identificado pelo Ministério Público há mais de um ano [quando a Promotoria ajuizou ação civil cobrando a abertura de mais vagas]", disse. "Era uma tragédia anunciada, e tende a piorar."

Em fiscalização feita em junho deste ano em 119 unidades de internação de todo o Estado, a Promotoria encontrou superlotação em 111.

OUTRO LADO

A presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella, afirmou que cada caso de fuga está sendo investigado e que, em ao menos dois deles, foram identificadas falhas por parte dos funcionários, que podem ser punidos.

"Nós temos dois casos em que a Corregedoria já concluiu a sindicância e está abrindo processo disciplinar contra alguns servidores porque houve falhas procedimentais na segurança interna. Tivemos também dois casos em que trocamos os diretores da unidade", disse.

Como as investigações ocorrem sob sigilo, Berenice disse que não poderia identificar cada um dos casos.

Berenice, que assumiu a presidência da instituição em 2005, disse também que não é possível comparar a situação da atual fundação com a da antiga Febem, porque o número de internos dobrou.

"Não tem a mínima semelhança com a situação que estava quando eu cheguei [na Febem]. A fundação cresceu muito. Quando eu cheguei aqui tinha 5.000 jovens. Hoje, temos uma média de 10 mil", afirmou a presidente.

Peter Leone - 22.set.2015/Futura Press/Folhapress
Chinelo deixado em fuga em unidade de Guaianases, na zona leste de SP
Chinelo deixado em fuga em unidade de Guaianases, na zona leste de São Paulo

Sobre a crítica do sindicato de que há poucos servidores nos pátios, Berenice afirmou que os quadros estão completos. "O que a gente tem, muitas vezes, são casos de funcionários faltosos, que apresentam atestados médicos incertos ou têm faltas injustificadas", disse.

Ela afirmou que é necessário considerar que, além dos agentes de segurança nos pátios, as equipes também contam com professores e psicólogos, entre outros, e todos eles são responsáveis pela segurança das unidades.

Outro problema que ajudou nas fugas, segundo a presidente da fundação, foi a ausência de uma empresa de segurança patrimonial que fazia a guarda da área externa de algumas unidades na Grande SP e no litoral.

Essa empresa não trabalhava diretamente com os jovens, disse, mas fazia o controle de entrada e saída de pessoas, o que aumentava a sensação de segurança.

"Houve, no nosso entendimento, uma percepção dos internos de que essas unidades [que ficaram sem a empresa] estariam mais fragilizadas", afirmou.

Para solucionar os problemas, Berenice informou que a instituição fará convênio com a Polícia Militar para monitorar as áreas externas.


Endereço da página:

Links no texto: