Folha de S. Paulo


Rio tem embate entre jovens que roubam e justiceiros que agridem

O dia de sol escaldante do último domingo (20) no Rio evidenciou a falta de segurança nas praias lotadas e apresentou um novo problema para o próximo verão.

De um lado, jovens que se identificam como representantes de coretos –termo que, na gíria do morro, corresponde a grupos que praticam roubos e furtos. Eles foram os protagonistas de arrastões em série.

A novidade desta vez foi a presença de grupos formados por jovens de classe média que decidiram atacar aqueles que consideravam suspeitos pelos roubos.

Eles fizeram blitze na avenida Nossa Senhora de Copacabana. Cercaram ônibus e escolheram garotos menores de idade que seguiam para favelas da zona norte. Os escolhidos foram retirados dos coletivos e espancados pelo grupo na rua.

Para evitar que essas cenas se repitam, o governo do Rio montou uma estratégia de patrulha da orla. Neste sábado (26), a Folha acompanhou uma viagem dentro do ônibus 474, linha usada por parte dos envolvidos nos arrastões para chegar até as praias da zona sul do Rio. Durante o trajeto, a reportagem contou sete barreiras da PM, além de agentes nas ruas, sobretudo no centro e zona sul. Nenhum incidente grave foi registrado.

A Folha conversou com integrantes dos dois lados para entender as suas motivações.

Ricardo Borges - 11.jan.2015/Folhapress
Policiais tentam conter arrastão na praia de Ipanema
Policiais tentam conter arrastão na praia de Ipanema em janeiro deste ano

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CORETOS - 'A gente é do coreto e rouba mesmo. Virou febre'

O termômetro bate 39,1°C às 15h da primeira quinta-feira de primavera no Rio. No Arpoador, zona sul, Gabriel, 7, e Eduardo, 12, se apresentam como sendo do "coreto" do Jacaré, favela da zona norte.

"A gente fica aqui na praia para zoar. Mas, se der mole, a gente rouba também", disse Eduardo, que usava uma blusa preta onde se lia "Armani", nome de grife italiana. Sentados na areia ao lado estão integrantes do "coreto" do São João (outra favela da zona norte), que preferiram não dar entrevistas.

Todos dizem ir à praia após a escola sempre que há sol. Têm preferência por aquele posto por ser próximo dos pontos de ônibus que os levam de volta à zona norte.

"A gente é do coreto e rouba mesmo. Essa parada virou febre. O pessoal do Chapéu Mangueira fica no Leme (zona sul). Pessoal da Rocinha fica mais para São Conrado (zona sul). Não roubam tanto como a gente. Não falamos com eles. Então, eles ficam lá e a gente, aqui", conta Tamiris, 12, que diz ser "bandida".

"Quando alguém rouba, vai passando de mão em mão, e eu junto tudo. Roubo porque dá raiva. A gente também quer ter tênis, blusa, celular", acrescentou Eduardo.

O delegado Carlos Rangel, da delegacia da Penha, investigou grupos que assaltavam na região do Arpoador. Segundo a apuração, todos que atuam no trecho de Ipanema têm relação direta com o tráfico de drogas.

De acordo com o delegado, os coretos são autorizados pelos gerentes do tráfico para assaltar na zona sul. Em troca, os garotos repassam parte dos produtos aos traficantes da região onde moram.

No último final de semana, 28 menores de idade foram apreendidos. Indagada se vai voltar à praia no final de semana, Tamiris responde.

"Nosso medo é ser linchado pelos justiceiros ou policiais. Mas, se pegam 10 dos nossos, passam 300."

Gabriel, o menor do bando, canta: "Ah, o coreto vem para a zona sul roubar. Se der uma de herói, vai se estrepar."

Marcelo Carnaval/Agência O Globo
Cerca de 30 homens, a maioria praticante de lutas marciais, realizaram
Cerca de 30 homens realizaram "blitze" em ônibus que ligam o subúrbio a bairros como Copacabana

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JUSTICEIROS - 'A gente só pega vagabundos, e não qualquer um'

O estudante de direito e morador de Laranjeiras pediu para não ser identificado e, na sequência, explicou os critérios adotados por seu bando em rondas pelas ruas do bairro na zona sul.

"A gente só pega os vagabundos. Não agredimos qualquer um", disse ele à Folha.

Aos 22 anos, o universitário integra um grupo de justiceiros formado em sua vizinhança para perseguir e agredir aqueles que consideram ameaça à ordem pública.

Os responsáveis pelos pequenos roubos e furtos nas ruas de Laranjeiras são alvos preferenciais.

Este tipo de ocorrência chamou a atenção da polícia após uma série de agressões a menores infratores no início de 2014 na região do Aterro do Flamengo. Um deles foi encontrado nu e preso pelo pescoço a um poste com uma tranca de bicicleta. Na ocasião, os justiceiros usaram tacos de beisebol e correntes.

Segundo investigações já realizadas, os bandos são formados por jovens de classe média, entre 18 e 25 anos, muitos deles frequentadores de academias de artes marciais. Há ainda estudantes e desempregados na lista.

"Eles se organizaram em patrulhas para punir verbalmente ou fisicamente aqueles que julgavam estar praticando crimes", escreveu a promotora Janaína Melo ao denunciar quatro agressores no bairro do Flamengo.

"Houve uma noite em que eles encontraram homossexuais numa praça, em Laranjeiras, e agrediram todos", conta um morador do bairro, que tem amigos no grupo.

Em Botafogo, suspeita-se que o grupo conte com a colaboração de seguranças particulares contratados para realizar rondas bairro.

Em gravação divulgada pelo aplicativo Whatsapp, um dos participantes das agressões realizadas no último domingo (20) em Copacabana defendeu a ação: "Toda a ação gera uma reação. Não quer que aconteça mais, não venha fazer arruaça aqui. A gente tem direito de garantir a nossa segurança".


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