Folha de S. Paulo


Justiceiros de Copacabana: grupo decide atacar suspeitos de assaltos

Marcelo Carnaval/Agência O Globo
Cerca de 30 homens, a maioria praticante de lutas marciais, realizaram
Cerca de 30 homens realizaram "blitze" em ônibus que ligam o subúrbio a bairros como Copacabana

Em mais um fim de semana com arrastões em praias cariocas, um grupo de jovens decidiu fazer justiça com as próprias mãos.

Cerca de 30 homens, a maioria praticante de lutas marciais, realizaram "blitze" em ônibus que ligam o subúrbio aos bairros de Copacabana e Ipanema, na zona sul.

Buscavam "moleques de chinelo, com cara de quem não tem R$ 1 no bolso", nas palavras de um deles.

"É óbvio que eles querem assaltar. Tocam o terror, vamos tocar também. É legítima defesa", afirma Antônio, de 27 anos, que trabalha como vendedor de loja e mora em Copacabana.

Ele e Daniel, 31, concordaram em conversar com a Folha na segunda-feira (21), perto de uma academia do bairro onde praticam jiu-jítsu, desde que seus sobrenomes não fossem divulgados.

Os dois treinavam em horários diferentes e se conheceram em um grupo de WhatsApp. Por meio do aplicativo, marcam locais e horários para coibir supostos assaltantes.

No domingo (20), o grupo parou um ônibus da linha 472, que faz o trajeto entre o Leme (zona sul) e Triagem (zona norte), na avenida Nossa Senhora de Copacabana.

Imagens feitas por câmeras de celulares de moradores mostraram quando um menor foi retirado de dentro do coletivo e recebeu uma série de socos e chutes. Policiais precisaram intervir para evitar o linchamento.

Os integrantes do grupo prometem repetir as "blitze" no próximo final de semana.

"Não espancamos. Queremos mostrar que não somos reféns. Os policiais nos apoiaram, tanto que não nos prenderam. É o terceiro final de semana que fazemos isso", diz Daniel, enquanto toma um copo de leite misturado com suplemento proteico.

Ele e colegas "vigiaram" as ruas de Copacabana na tarde de domingo e atacaram ao menos mais um ônibus, da linha 474, quebrando a janela e brigando com passageiros.

Vendedora de uma sorveteria, Mayara da Silva, 22, disse que viu quando uma vítima de assalto reagiu e os vigilantes a ajudaram.

"Fechei a porta da loja várias vezes. Quando os dois grupos se encontravam, era uma pancadaria só. Eu apoio a revolta", disse Mayara.

Personal trainer, Daniel diz que entrou para o grupo após ser convidado por um de seus alunos. "Ele me chamou quando a irmã foi assaltada no calçadão da praia. Estamos de saco cheio dessas sementinhas do mal."

Segundo ele, há 37 pessoas no grupo atualmente. "Não temos um líder, é uma revolta coletiva. Tem desde gente que mora aqui no asfalto como no morro Cantagalo, e treina boxe na favela. Também tem gente que não luta, mas está revoltada", disse.

O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, disse que a polícia trabalha com a possibilidade de confrontos na praia no próximo final de semana.

"Muito me preocupa é que temos outro problema [além dos arrastões]. O setor de inteligência detectou ontem [domingo] e hoje [segunda], que é o de pessoas se preparando para fazer justiça com as próprias mãos, com risco de linchamento", disse.

AÇÃO PREVENTIVA

A partir do próximo fim de semana, a Polícia Militar do Rio vai voltar a revistar jovens saem de ônibus da zona norte da cidade e fazem ponto final nas praias da zona sul.

A ação ocorrerá principalmente em linhas que saem das favelas do Jacarezinho e de Manguinhos, locais de onde, segundo a polícia, saem os jovens responsáveis por "arrastões".

"Vamos voltar com as operações preventivas. Vivemos uma ressaca de direitos. Mas cada direito implica um dever. Se uma pessoa quer exercer o direito de ir e vir, essa pessoa tem o dever de pagar uma passagem", disse o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

Ele classificou como suspeitos os jovens que chegam às praias sem dinheiro e sem camisa.

A triagem, que vinha sendo feita desde o verão, deixou de acontecer nos últimos dias após uma decisão da 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio.

Na liminar, o magistrado determina que a abordagem aconteça apenas em casos de flagrante.

"Conseguiram constranger a polícia. Se atua, abusou de poder. Se ela não atua, prevaricou", afirmou Beltrame.

Em relatos nas redes sociais e depoimentos de moradores, PMs teriam deixado de agir apesar do confronto entre grupos de jovens. Em nota, a PM nega e garante ter feito prisões.

"Ela [a decisão] em nenhum momento proíbe a abordagem. O que não pode haver é detenção ou apreensão por suspeita de que vá cometer um crime", afirmou o conselheiro da OAB-RJ Breno Melaragno.

ABUSOS

O coordenador do Centro de Apoio Operacional de Infância e Juventude do Ministério Público do Rio, Marcos Fagundes, afirma que o fato de um adolescente estar sem dinheiro para voltar de ônibus não é uma atitude
suspeita nem de vulnerabilidade.

"Ele pode pegar dinheiro emprestado, dormir na casa de um parente na zona sul. Não é vulnerável apenas nessa condição".

Ele diz que houve abusos nesta classificação no verão passado.

"Recebíamos cerca de 70 crianças e adolescentes, mas apenas quatro ficavam apreendidos. Houve caso de jovem que estava indo ao dentista e foi levado".


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