Folha de S. Paulo


Mulheres criam grupos a favor de cesáreas após críticas em redes sociais

Alan Marques/Folhapress
Candida Antunes, 35, e sua filha; ela optou pela cesárea por achá-la menos traumática
Candida Antunes, 35, e sua filha; ela optou pela cesárea por achá-la menos traumática

Há quem diga que, para ser uma boa mãe, é preciso sentir as dores do parto. Mulheres que optam pela cesárea reclamam que têm de lidar com o preconceito de ativistas do parto normal, especialmente em redes sociais. Em resposta, elas vêm se organizando em grupos pró-cesárea.

Proliferam na internet comunidades como "Eu escolhi cesárea", "Não me obriguem a um parto normal" e "Parto cesárea-minha escolha & meu direito" –esta última declara que seu objetivo é reverter a "crucificação" do procedimento no Brasil.

"Elas costumam dizer que somos 'menos mães', que cesárea não é parto", diz Kauane Braciak, 24, administradora da "Mães, cesárea & cia". Criada há cerca de seis meses, a página já tem mais de 90 mil seguidores no Facebook.

O debate ganhou força com resolução da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em vigor desde julho. A medida pretende diminuir a taxa da cesárea na rede privada, hoje em 84,6%.

Ela obriga a elaboração do partograma, documento sobre o que houve no parto, para que o plano de saúde pague a cirurgia. Sem indicação médica, a cesariana aumenta em até 120 vezes a chance de problemas respiratórios para o recém nascido e eleva o risco de morte da mãe, afirma a ANS.

TERMO

Muitos interpretaram que a nova regra proibiria a cesárea eletiva, já que a indicação médica para a cirurgia deve constar no partograma.

A ANS, porém, afirma que a gestante pode optar pela cirurgia –deverá assinar um termo de consentimento para manter a cobertura do plano.

Entre os motivos que levam mulheres a escolher a cesárea estão o medo da dor e o receio causado por experiências negativas, pessoais ou de outras mulheres.

Isso se deve, em muitos casos, à falta de condições (como leitos e recursos humanos) para um parto normal bem assistido, afirma Carlos Vital, presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina).

Candida Antunes, 35, optou pela cesárea por considerá-la menos traumática. "Ouvi relatos de bebês que tiveram a clavícula quebrada no parto e de mulheres que não suportaram a dor ou o estresse. Fiquei alarmada", diz.

Em 2011, a ativista Nanda Café, do blog "Mamíferas", gerou polêmica ao escrever que a cesárea eletiva era mais criminosa do que um aborto.

"Defendo o direito da mulher ao próprio corpo, tanto que defendo o aborto. Se não quer parir, aborte", afirma.

"O corpo da mulher não pode ser dela só quando se fala em parto normal e aborto. Isso tem de valer também para o seu direito de escolher a cesariana", afirma Kauane, do "Mães, cesárea & cia".

Para o presidente do CFM, o confronto entre parto normal e cesárea não reflete o interesse da população, que é de ter um parto seguro. "Tem de prevalecer o parto normal, mas muitas vezes o parto seguro será o cesariano."

RISCO DE INFECÇÕES

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que cesáreas só sejam feitas com indicação médica. Nesses casos, o procedimento ajuda a salvar vidas. Mas, em outros, diz a organização, a cesariana, como qualquer cirurgia, aumenta o risco de infecção e complicações.

No Brasil, o índice de cesárea é de 40% no SUS e de 84,6% na rede privada.

"Existe uma cultura da cesárea que funciona assim: quando a gestante chega no pré-natal, ela não recebe informações. Esse modelo leva as mulheres para as cesáreas", diz a psicóloga e pesquisadora Heloísa Salgado, que há três anos criou com amigas a página do Facebook "Eu quero parto normal".

O objetivo, diz, é disseminar informações.

"Para o médico de convênio, é muito melhor uma cesárea do que passar 24h no trabalho de parto de apenas uma paciente."

DANIELE BELMIRO fez o 3º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, patrocinado pela Pfizer


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