Folha de S. Paulo


'Pode ficar para meus bisnetos', diz morador sobre monotrilho atrasado

Os moradores da Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, parecem anestesiados contra a falta de opções de transporte. Nesta sexta-feira (28), a notícia do congelamento do projeto de monotrilho parece não ter espantado ninguém por lá.

O bairro seria a estação terminal da linha 15-prata, que sofre com atrasos e alterações, assim como a linha 17-ouro, na zona sul de SP.

O governo Geraldo Alckmin (PSDB), como a Folha mostrou nesta quinta (27), decidiu congelar a construção de 17 de 36 estações dessas duas linhas de monotrilhos.

"Quem sabe não fica para meus netos ou bisnetos. Não acredito que eu vá ver esse monotrilho", afirma a empregada doméstica Nelcina Souza, que todos os dias gasta mais de uma hora para chegar ao Belém, ainda na zona leste, onde trabalha.

Thiago Amancio/Folhapress
A empregada doméstica Nelcina Souza, 55, que demora mais de uma hora para ir ao trabalho
A empregada doméstica Nelcina Souza, 55, que demora mais de uma hora para ir ao trabalho

Cidade Tiradentes fica a 30 km do centro de São Paulo, ou ao menos 1h30 de ônibus.

Segundo pesquisa DNA Paulistano de 2012, do Datafolha, só 6% da população tinha curso superior. À época, quase metade (43%) tinha renda familiar de até R$ 1.244 e nenhuma superava R$ 6.221.

"Ouço tanta notícia de atraso que nem acredito mais que vá vir para cá", diz o vigilante noturno Lucas Leite, 21. "A população daqui é esquecida", completa.

A ordem, agora, é direcionar a pressão no governador, segundo o líder comunitário Antônio Carlos Vieira, que enfrenta duas horas de transporte público para percorrer os 26 km que separam sua casa do escritório onde trabalha, na Vila Mariana (zona sul).

"A população é oprimida, além de tudo, no seu desejo por transporte público. Precisamos de um transporte de massas, que é o sobre trilhos. A região não se desenvolve."

Se um dia ficar pronto, o monotrilho ligará o bairro (por 26 km de trilhos) até a estação Vila Prudente do Metrô, ramal que atinge a avenida Paulista.

"É tanta promessa que o governo faz e não cumpre que uma hora a gente para de acreditar. Mas depois eles vêm pedir voto aqui, quero ver quem vai dar", diz o ajudante Thiago Oliveira, 25.

Thiago Amancio/Folhapress
O ajudante Thiago Oliveira, 25, morador de Cidade Tiradentes, na zona leste de SP
O ajudante Thiago Oliveira, 25, morador de Cidade Tiradentes, na zona leste de SP

A difícil locomoção foi um dos fatores que fez a vendedora Juliana Pereira, 20, sair do bairro. Ela gastava uma hora e meia para chegar ao Tatuapé, também, na zona leste, onde trabalhava.

Há um ano, Juliana mudou-se para Guaianases, próximo à estação de trem. "É muito melhor. Não dá para depender de ônibus."

PARAISÓPOLIS

A notícia do abandono (ao menos temporário) de quase metade das estações também provocou reação em Paraisópolis, bairro tema de novela e a segunda maior favela de SP.

Gilson Rodrigues, presidente da Associação de Moradores de Paraisópolis, lembra de uma conversa recente com o próprio Alckmin. "Ele nos garantiu que, vencidos os problemas jurídicos, a obra avançaria. Tenho vídeo e foto do governador falando isso."

Du Amorim - 24.abr.2015/Governo de São Paulo
Alckmin e o líder comunitário Gilson Rodrigues, em reunião sobre o monotrilho em abril passado
Alckmin e o líder comunitário Gilson Rodrigues, em reunião sobre o monotrilho em abril passado

"Estamos sendo isolados e sendo inibidos de outras oportunidades profissionais. Um morador da nossa região demora mais de três horas para ir e voltar ao centro todo dia. Esse tempo ele podia ficar com a sua família, frequentar um curso", disse.

Emiliano Affonso, presidente da Aeamesp (Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô), também criticou o adiamento das obras.

"A paralisação de uma obra deste tipo compromete a eficiência do projeto, acarreta aumento de custos. E, no caso da linha 17-ouro, estranhamos esse congelamento porque já existe um compromisso do governador."

Em nota, o governo disse que "reafirma o que disse durante reunião com moradores da comunidade de Paraisópolis". "O fato de o governo priorizar trechos que estão em obras não significa excluir o ramal que irá atender os moradores de Paraisópolis."

Ainda na nota, o governo diz que a implantação desse trecho do monotrilho, na zona sul, depende de obras da prefeitura –que nega atrasos.

Clique no infográfico: Linha 15-prata

Clique no infográfico: Linha 17-ouro

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Leia a seguir, a íntegra da nota do governo de SP:

"O governador Geraldo Alckmin reafirma o que disse durante reunião com moradores da comunidade de Paraisópolis. As obras do monotrilho da linha 17-ouro (Morumbi - Aeroporto - Jabaquara) foram planejadas para serem construídas em três etapas. Neste momento, a construção do primeiro trecho segue em pleno curso com mais de 1.200 trabalhadores atuando nos canteiros. O fato do governo priorizar trechos que estão em obras não significa excluir o ramal que irá atender os moradores de Paraisópolis.

O próximo trecho terá 6,4 km e contará com cinco estações (Panamby, Paraisópolis, Américo Maurano, Estádio do Morumbi e São Paulo-Morumbi). Nesse trecho, já foi concluído o projeto executivo para as obras civis, que envolvem a construção dos pilares, capitéis e vigas por onde trafegará o monotrilho. O Metrô também já publicou Decreto de Utilidade Pública (DUP) para a desapropriação de 51 imóveis necessários para as obras dessas cinco estações. A própria Folha de S. Paulo publicou matéria sobre o processo de desapropriação.

Mais de 76% dos imóveis já foram desapropriados. Além disso, a Companhia já obteve a Licença Ambiental de Instalação (LAI) entre as estações Morumbi e Panamby e já deu andamento para requerer a LAI de Paraisópolis até São Paulo-Morumbi. A implantação desse segundo trecho depende principalmente da construção da avenida Perimetral (prolongamento da av. Hebe Camargo), de responsabilidade da prefeitura, para que o Metrô instale os pilares do monotrilho, além do desfecho de ações judiciais que estão em curso, envolvendo desapropriações na região do Panamby."


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