Folha de S. Paulo


Alexandre Martins de Castro

Após 12 anos, pai de juiz morto aguarda júri de supostos mandantes

Doze anos após o filho ser assassinado em Vila Velha (ES), o advogado e coronel da reserva da PM Alexandre Martins de Castro vai acompanhar nesta segunda (24) o julgamento de dois dos três acusados: o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista e o coronel da reserva da PM Walter Gomes Ferreira.

Não há previsão de que o juiz Antônio Leopoldo Teixeira, denunciado pela vítima, vá a júri. Todos negam as acusações.

Alex Cavalcanti/Folhapress
Alexandre de Castro, que teve o filho, juiz, assassinado há 12 anos em Vila Velha (ES)
Alexandre de Castro, que teve o filho, juiz, assassinado há 12 anos em Vila Velha (ES)

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O ano era 2003. O Estado do Espírito Santo vivia sob ameaça de intervenção federal por conta do crime organizado. Meu filho, o meu primogênito, atuava na 5ª Vara de Execuções Penais e fazia parte de uma missão especial contra o crime organizado.

Ele contrariou muitos interesses e enfrentou muita gente. Um dos casos tratava justamente de um colega, o juiz Antônio Leopoldo, que o antecedeu na 5ª Vara.

Ele denunciou esse juiz após descobrir uma série de irregularidades. O juiz estava envolvido na venda de sentenças e benefícios para os presos, muitos condenados por crimes hediondos, como progressão para regime semiaberto. Foi aposentado compulsoriamente em 2005 por conta dessa denúncia.

Alexandre era meu orgulho e tinha se tornado meu único filho depois que a irmã dele morreu em um acidente em 1994. Ele era um jovem feliz, de bem com a vida e, além de juiz, era professor de direito. Todos os dias ia à academia, em Itapoã.

Quando foi morto, eu sabia que isso tinha a ver com o crime organizado. Várias teses surgiram, como latrocínio, mas eu sabia desde o começo que tinha a ver com a investigação. Dizem que a Justiça tarda, mas não falha.

Os executores Odessi Martins da Silva Filho, o "Lumbrigão", e Gilliarde [Ferreira de Souza] foram condenados a mais de 20 anos de prisão cada um e cumpriram parte da pena. Já estão até em liberdade. Os intermediários também. Eles quitaram a conta deles com a sociedade.

Como pai, minha mágoa nunca vai cessar. Mas, como cidadão, tenho de aceitar que a lei foi cumprida.

Eles pagaram pelo crime, como dita a lei, e para mim essa página está virada.

Agora o que eu quero é ver os mandantes julgados e condenados. A primeira etapa eu espero que aconteça mesmo nesta segunda [24], com o julgamento do coronel Ferreira [Walter Gomes Ferreira] e do ex-policial civil Claúdio Luiz Andrade Baptista, o Calu.

O Ferreira era o braço armado do crime organizado no Espírito Santo e foi posto na cadeia pelo Alexandre. Meu filho foi pessoalmente ao quartel da PM, no fim de 2002, para fazer cumprir uma ordem de transferência do coronel Ferreira para o presídio federal da Papudinha, no Acre. Meu filho foi assassinado meses depois. O Calu tinha ligações antigas com o juiz Antônio Leopoldo.

No dia do velório do meu filho, prometi que levaria todos os envolvidos a julgamento. Alexandre lutou para promover a Justiça e enfrentar o crime organizado. Depois da morte dele, tivemos presidente de Legislativo preso, presidente de tribunal algemado, desembargador afastado, juiz perdendo cargo. Tudo depois da morte dele.

Hoje, o crime organizado sofreu derrotas, mas não está liquidado. O juiz Antônio Leopoldo também tem de ser julgado. Esse é o pior deles.

Eu me sinto um verdadeiro palhaço. Esse homem foi aposentado compulsoriamente e ainda recebe uma aposentadoria paga com o dinheiro de todos nós. É bom que seja julgado por último, para coroar esse processo.

A luta é de todos. A vida do Alexandre foi tirada em proveito de toda a sociedade. Eles não podem ficar impunes, e a sociedade não pode ficar inerte. No caso do processo do meu filho, a Justiça está tardando e falhando.

Falhando pela lentidão.

OUTRO LADO

Para o advogado Fabrício Campos, que defende o juiz Antônio Leopoldo Teixeira, a acusação não se sustenta: "Para os órgãos de investigação seria uma perda moral muito grande admitir o erro. Por isso, insistem nessa acusação sem fundamentos".

Sobre o desabafo do pai da vítima, o advogado diz que não pode "julgar um pai carregado pela dor da perda do filho". "Mas o julgamento dele é baseado na emoção."

Em entrevista de 2005, Teixeira disse que as acusações eram "invenções", que seriam "desmascaradas".

O ex-policial civil Cláudio Baptista, o Calu, diz que não há provas sobre sua participação no crime e que, se o júri for "sério, sereno e imparcial", será inocentado. "Quero ser julgado. Eu e minha família estamos sofrendo."

A defesa do coronel Ferreira não foi localizada.


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