Folha de S. Paulo


STF começa a julgar liberação do porte de drogas para uso pessoal

"Portar drogas para consumo próprio é crime?" Essa é pergunta que os 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) começam a responder a partir desta quarta-feira (19). A expectativa é de que o caso seja analisado em mais de uma sessão e tenha efeito direto em pelo menos 248 processos que aguardam uma definição do tribunal sobre o caso, consolidando um novo entendimento jurídico sobre esse tema no país.

Antes do início do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que independente do resultado, o julgamento deve motivar decisões do Legislativo e do Executivo.

"Será que essa é uma boa política pública [criminalizar o usuário]? Será que é uma política pública que vem dando certo? E se o Supremo entender que não é, é preciso saber o que se vai colocar no lugar. Quem deve fazer isso é o poder Legislativo. É uma questão essencialmente política", afirmou.

Ele argumentou que o papel do Estado é "desincentivar o consumo, tratar dos dependentes e tentar acabar com o tráfico."

"O usuário não me é indiferente, mas não é sequer a minha primeira preocupação", afirmou o ministro. "Ninguém acha que o consumo de drogas é uma coisa boa. O papel do Estado é desincentivar o consumo, tratar dos dependentes e tentar acabar com o tráfico", completou.

O julgamento sobre a criminalização do porte de drogas tem como base um recurso que chegou à Corte mais alta do país em 2011, em decorrência de um flagrante de maconha, dois anos antes, dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).

Fabio Braga/Folhapress
Francisco Benedito de Souza, 55, no bar na zona sul de São Paulo que ele pretende inaugurar em breve
Francisco Benedito de Souza, 55, réu de processo que guiará julgamento do Supremo nesta quarta

A partir desse episódio, o STF analisa se é ou não constitucional artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte de entorpecentes. Três ministros ouvidos pela Folha avaliam que a tendência do tribunal é descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal.

Segundo eles, a expectativa é de que o relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, aumente o poder de decisão do juiz diante do flagrante do porte de drogas. Se hoje cabe à polícia decidir se a pessoa será enquadrada como usuária ou traficante, agora essa análise passaria a se feita pelo magistrado.

Na semana passada, Mendes ponderou que, caso o tribunal descriminalize o porte de drogas, haverá dificuldades para o STF apontar critérios objetivos que diferenciem usuário e traficante.

No julgamento, os ministros podem discutir ainda se uma eventual mudança na legislação atual tem efeito retroativo. Hoje, quem é flagrado com drogas para uso próprio pode ser penalizado com advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. De toda forma, a condenação tira a condição de réu primário.

AMICUS CURIAE

Para chegar a uma decisão final, os ministros irão ouvir entidades interessadas em opinar sobre o tema –o chamado "amicus curiae". Terão espaço na sessão seis entidades a favor da descriminalização e cinco contra, cada uma com direito a meia hora de exposição.

Na lista de participantes, estão por exemplo a Pastoral Carcerária, o Instituto Sou da Paz e o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Vice-presidente da entidade, Cristiano Maronna defende a descriminalização do porte de drogas. Ele argumenta que o usuário não causa dano a terceiros e, portanto, não pode ser penalizado por carregar drogas para consumo pessoal.

Após as entidades, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também se manifestará. Em 2011, parecer enviado pela Procuradoria-Geral da República ao STF defendeu a manutenção da criminalização.


Endereço da página:

Links no texto: