Folha de S. Paulo


Depoimento

Não pare o carro em lugar escuro, disse o bandido na USP

Saí de um dos prédios da Escola de Comunicações e Artes com duas amigas por volta das 22h30. A rua estava escura e vazia, não vimos quando dois homens se aproximaram. Eles saltaram para dentro do carro com a gente.

Era novembro de 2013. Relatos de violência eram cada vez mais frequentes no campus. A nova iluminação, prometida quando um aluno da FEA foi morto, em 2011, ainda não havia sido instalada.

"Como sai da USP?", perguntou o que dirigia. O segundo ocupou o banco atrás dele. Eu estava na outra janela, no banco de trás.

Saímos pela portaria principal e seguimos pela rodovia Raposo Tavares. "Não vamos fazer nada, só queremos dinheiro." Passamos os cartões e as senhas. Pegaram também celulares e os computadores das minhas amigas.

"Cadê o tablet? Cadê o tablet?", insistia o de trás, revirando minha bolsa. Achou meu HD externo, que eu barganhei dizendo que guardava textos da faculdade. Quando ele cismava que eu estava olhando na sua direção, encostava o cano frio da arma no meu pescoço.

Editoria de Arte/Folhapress

Todos os bancos e caixas do caminho estavam fechados, e eles pareciam perdidos. "Vamos ter que deixar elas aí." Até que pararam em um supermercado. O motorista tentou sacar dinheiro, sem sucesso. Voltou cheio de bebidas compradas no crédito.

Enquanto isso, o outro conversava amenidades. Perguntou, por exemplo, o significado das tatuagens das minhas amigas. Disse que não desejava estar ali, mas era uma necessidade. "Eu muito menos", pensei.

Perguntou à dona do carro se queria que "tacasse fogo para ganhar outro do seguro". Ela disse que queria o carro. De fato, foi achado perto de Osasco algumas semanas depois.

Durou 40 minutos e podia ter sido bem pior. Nos devolveram os chips, nos deram R$ 20 e nos deixaram num ponto de ônibus.

E aconselharam: "Não parem mais em lugar escuro. A gente não fez nada, mas e se fosse um louco aí, que estuprasse vocês?".


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